A doutrina luterana da salvação surgiu, em grande parte, da luta de Martinho Lutero contra o sistema de penitências desenvolvido pela igreja católica romana e o comércio de indulgências. Sua compreensão da justificação pela fé, baseada em Romanos 1:17, foi central para a sua obra de reforma.
No cerne da doutrina luterana da salvação está a justificação exclusivamente pela fé (sola fide). Lutero entendeu que o arrependimento exigido nas Escrituras não se refere às obras de reparação postuladas pelo romanismo, mas sim a uma contrição íntima do coração, produzida unicamente pela graça de Deus. A questão fundamental no arrependimento não é a confissão auricular ou qualquer reparação feita pelo homem, pois Deus perdoa o pecado gratuitamente em Cristo. O que importa é o pesar sincero pelo pecado e o firme desejo de uma vida nova, tudo isso possibilitado pela graça perdoadora de Deus em Cristo. Assim, a doutrina da justificação somente pela fé tornou-se o artigo fundamental da igreja reformada por Lutero, a partir do qual a igreja se mantém de pé ou cai. Consequentemente, a Reforma rejeitou práticas medievais como indulgências, penitências expiatórias, a absolvição sacerdotal da crença católica-romana, obras de supererrogação e a doutrina dos méritos humanos.
Havia uma discussão sobre a ordem em que Lutero concebia o arrependimento e a fé. Alguns argumentam que inicialmente ele via o arrependimento como fruto da fé, mas depois o colocou antes da fé, provocado pela lei. Outros defendem que Lutero sempre considerou a paenitentia (penitência) incluindo tanto a contrição produzida pela lei quanto a fé como aceitação confiante de Jesus. Ambas as atitudes seriam instrumentos que conduzem o pecador a Cristo, não pressupondo uma união prévia com Ele. Contudo, em sua oposição à justiça pelas obras, Lutero enfatizou que o verdadeiro arrependimento é fruto da fé, enquanto mais tarde, combatendo o antinomianismo, afirmou que a verdadeira fé é precedida por um profundo senso de penitência. Em essência, Lutero sempre entendeu que o caminho da salvação consiste em contritio (pesar pelo pecado), fides (fé) e bona opera (boas obras, uma vida consagrada a Deus). Essa ordem foi geralmente mantida pelos primeiros teólogos luteranos e é apresentada nos padrões confessionais da Igreja Luterana.
O ordo salutis (ordem da salvação) no luteranismo, que inicialmente envolvia apenas três elementos, tornou-se mais elaborado nos escritos dos teólogos luteranos do século XVII. Baseado em Atos 26:17-18, passou a incluir: chamada, iluminação, conversão, regeneração, justificação, renovação e glorificação. Contudo, um germe de sinergismo surgiu na teologia luterana com a doutrina de que todos sob o evangelho recebem graça suficiente, seja no batismo ou pela pregação da Palavra, capacitando-os a não resistir à graça de Deus na regeneração. O processo de salvação começou a ser concebido da seguinte forma: crianças nascidas de pais cristãos, ainda incapazes de resistir à graça divina, seriam regeneradas no batismo, recebendo o dom da fé. Outros seriam chamados mais tarde com um vocatio sufficiens (chamado suficiente), idêntico em cada caso, que, iluminando a mente e revigorando a vontade, os capacitaria a não resistir à graça divina. Se não resistissem à obra do Espírito Santo na chamada, seriam levados à contrição, regenerados e então receberiam a fé. Pela fé, seriam justificados, receberiam o perdão dos pecados, seriam adotados como filhos de Deus, incorporados em Cristo, renovados pelo Espírito Santo e, finalmente, glorificados.
Apesar desse processo, os luteranos reconheciam que seus primórdios não garantiam sua conclusão. A graça de Deus poderia ser resistida em qualquer ponto e perdida, não apenas uma vez, mas várias vezes. Embora afirmassem que a salvação do homem é inteiramente devida a Deus, também sustentavam que o homem pode frustrar eficazmente a operação divina, de modo que a decisão final repousa no homem. O ordo salutis luterano é centralizado na fé e na justificação. A chamada, o arrependimento e a regeneração são vistos como passos preparatórios para conduzir o pecador a Cristo. É somente quando o pecador, pela fé, aceita a justiça de Cristo que Deus perdoa seus pecados, o liberta da lei, o adota como Seu filho e o incorpora ao corpo místico de Jesus Cristo. Portanto, tudo depende da fé. Uma vez possuindo a fé, o homem passa a desfrutar crescentemente das bênçãos da salvação; sem ela, as perde. Assim, a retenção da fé é de suma importância.
Embora Calvino e Lutero tivessem diferenças quanto à ordem da salvação, concordavam plenamente sobre a natureza e a importância da justificação pela fé. Em sua oposição comum a Roma, ambos descreviam a justificação como um ato da livre graça, um ato forense que não altera a vida íntima do homem, mas apenas sua relação judicial com Deus. A base da justificação não seria a justiça inerente ao crente, mas unicamente a justiça imputada de Jesus Cristo, apropriada pela fé. Ambos negavam que a justificação fosse uma obra progressiva de Deus, afirmando que é instantânea e completa, e que o crente pode ter certeza absoluta de ter sido transferido de um estado de ira e condenação para um estado de favor e aceitação.
A teologia luterana nem sempre manteve-se totalmente fiel a essa posição. Em alguns momentos, a fé foi apresentada como uma obra básica para a regeneração, e alguns teólogos fundamentaram a justificação sobre a justiça infundida de Jesus Cristo. No entanto, a ênfase central na justificação pela fé como a base da salvação permanece um distintivo da doutrina luterana.