Irineu e Tertuliano, ambos Pais da Igreja anti-gnósticos de grande relevância, ofereceram contribuições significativas para a doutrina da Pessoa de Cristo, mas suas abordagens e ênfases apresentavam diferenças notáveis.
Irineu, discípulo de Policarpo, demonstrava um espírito cristão prático em seus escritos e representava um tipo joanino das doutrinas cristãs. Em sua cristologia, Irineu se mostrava avesso a especulações sobre o Logos que levassem a meras conjecturas prováveis. Ele afirmava simplesmente que o Logos existia desde a eternidade e era instrumental na revelação do Pai, tomando como ponto de partida real o Filho de Deus historicamente revelado. Para Irineu, mediante a encarnação, o Logos se fez o Jesus histórico, sendo, a partir de então, verdadeiro Deus e verdadeiro homem simultaneamente. Ele rejeitava a heresia gnóstica que separava o Jesus transitório do Cristo não-transitório em Seus sofrimentos e morte, pois atribuía grande importância à união de Deus com a natureza humana. Em Cristo, como o segundo Adão, a raça humana era novamente unificada a Deus, havendo uma recapitulação da humanidade que revertia o curso iniciado pela Queda. Embora a morte de Cristo como nosso substituto fosse mencionada, não era o ponto central de sua ênfase, que recaía sobre a obediência de Cristo, através da qual a desobediência de Adão foi cancelada.
Tertuliano, por outro lado, presbítero de Cartago e representante da teologia do Norte da África, partia da doutrina do Logos, desenvolvendo-a de maneira historicamente significativa. Ele enfatizava que o Logos dos cristãos era uma Pessoa independente, com subsistência real, gerada por Deus e, portanto, procedente d’Ele por auto-projeção, comparada à raiz que projeta uma árvore. Para Tertuliano, houve um tempo em que essa Pessoa não existia. Ele também frisava que o Logos era da mesma substância do Pai, embora diferente quanto ao modo de existir como uma Pessoa distinta. Cristo não veio à existência por divisão, mas por auto-desdobramento; o Pai era a substância inteira, e o Filho, somente parte dela por ter sido gerado. Embora Tertuliano não conseguisse se livrar completamente da ideia de subordinação, sua obra é significativa por introduzir os conceitos de “substância” e “pessoa” na teologia, ideias cruciais para a formação do Credo Niceno. Ele expandiu a ideia do Logos na doutrina da Trindade e, em oposição à teoria monarquiana, sublinhou que as três Pessoas da Deidade são uma só substância, suscetível de número, mas sem divisão.
No tocante ao Deus-homem e Suas duas naturezas, Tertuliano se expressava de modo semelhante à escola da Ásia Menor. Ele ia além de todos os outros Pais, exceto Melito, ao reconhecer a perfeita humanidade de Cristo e ao distinguir claramente as duas naturezas, cada uma mantendo seus próprios atributos, sem fusão, mas em conjunção. Tertuliano enfatizava a importância da morte de Cristo, embora não fosse muito claro sobre os detalhes, frisando a necessidade de arrependimento do pecador em vez de satisfação penal. Apesar de reconhecer um elemento punitivo na justiça divina, ele exaltava a misericórdia de Deus, embora seu ensino fosse permeado por certo legalismo, falando de satisfação pelos pecados pós-batismo mediante arrependimento ou confissão.
Em resumo, as principais diferenças entre Irineu e Tertuliano sobre a Pessoa de Cristo podem ser assim sintetizadas:
- Ponto de Partida: Irineu partia do Filho de Deus historicamente revelado, evitando especulações abstratas sobre o Logos. Tertuliano, por outro lado, iniciava sua cristologia com uma elaborada doutrina do Logos preexistente.
- Concepção do Logos: Para Irineu, o Logos era principalmente o agente da revelação do Pai desde a eternidade, que se encarnou em Jesus. Tertuliano via o Logos como uma Pessoa distinta, gerada por auto-projeção do Pai, com uma existência temporal.
- Ênfase na Encarnação e União das Naturezas: Ambos afirmavam a união das naturezas divina e humana em Cristo. Irineu enfatizava a unificação da humanidade com Deus em Cristo como o segundo Adão e a recapitulação da raça humana. Tertuliano focava na distinção das duas naturezas em Cristo, mantendo seus próprios atributos sem fusão, buscando fazer justiça à plena humanidade de Cristo.
- Significado da Obra de Cristo: Irineu destacava a obediência de Cristo como o meio de cancelar a desobediência de Adão, com a recapitulação da humanidade como um elemento central. Tertuliano, embora enfatizasse a morte de Cristo, não articulava claramente a necessidade de satisfação penal, focando mais no arrependimento do pecador. Irineu também mencionava a morte de Cristo como substituição, pagamento da dívida e propiciação, além de redenção do poder de Satanás.
- Subordinação: Tertuliano tendia a uma visão subordinacionista, concebendo o Filho como parte da substância do Pai por ter sido gerado. Embora Irineu também apresentasse uma certa subordinação do Logos ao Pai, sua ênfase não era tão pronunciada nesse aspecto.
Em última análise, enquanto Irineu se concentrava mais na obra de Cristo como a recapitulação da humanidade e a restauração da união com Deus, Tertuliano se dedicava a definir a relação do Logos com o Pai e a articular a união das naturezas divina e humana em Cristo, influenciando significativamente o desenvolvimento da doutrina da Trindade com seus conceitos de substância e pessoa. Ambos, no entanto, desempenharam papéis cruciais na defesa da fé ortodoxa contra as heresias de seu tempo, particularmente o gnosticismo.