Agostinho queria que os cristãos evitassem dois erros principais em sua perspectiva sobre o mundo e seu papel nele: o utopismo e o cinismo. Estes erros representam desvios perigosos da postura que os crentes deveriam adotar enquanto cidadãos da Cidade de Deus vivendo em um mundo terreno.
O primeiro erro que Agostinho adverte é o utopismo. Este se manifesta na crença de que é possível criar uma sociedade perfeita na Terra, capaz de resolver todos os problemas da humanidade e estabelecer o Reino de Deus de forma plena e terrena. Agostinho observou essa tendência em seu próprio tempo, quando alguns buscavam identificar o Império Romano cristianizado com a própria Cidade de Deus. A queda de Roma demonstrou a fragilidade dessa esperança terrena e a impossibilidade de alcançar uma perfeição política duradoura neste mundo.
O utopismo, para Agostinho, é um erro fundamental porque desvia a esperança dos crentes de seu destino eterno e a fixa em projetos terrenos que inevitavelmente falharão. Ele viu essa falácia tanto em ideologias seculares, como o marxismo e o liberalismo do século XIX, que prometiam uma redenção social através de sistemas políticos e econômicos, quanto em interpretações equivocadas da fé cristã que buscavam estabelecer um reino teocrático perfeito na Terra. Agostinho enfatizava que o Reino de Deus não é deste mundo e que os cristãos são chamados a reconhecer a natureza provisória e imperfeita das instituições humanas, incluindo governos e impérios. Depositar uma esperança excessiva em soluções políticas ou sociais terrenas para trazer a perfeição do Reino é ignorar a realidade do pecado e a natureza peregrina da Igreja na história.
O segundo erro que Agostinho queria que os cristãos evitassem é o cinismo. Este surge como uma reação à percepção da maldade sempre presente no mundo e pode levar os crentes a se retraírem para dentro de seus próprios círculos de contentamento, sejam eles comunidades religiosas isoladas ou grupos seculares céticos. O cinismo se manifesta na descrença na possibilidade de qualquer mudança positiva significativa no mundo e na decisão de se desengajar das responsabilidades sociais e da busca por justiça e paz.
Para Agostinho, o cinismo é igualmente perigoso porque leva à inação e à indiferença diante do sofrimento e da injustiça. Ele chamava os cristãos a viverem com uma “virtude castigada”, reconhecendo que este mundo não é seu lar final, mas ainda assim trabalhando com diligência para amar seus vizinhos e buscar a justiça enquanto cumprem seus deveres nesta vida terrena. O cinismo pode se disfarçar de piedade, levando os crentes a se preocuparem apenas com sua própria salvação e a negligenciarem o mandamento de amar o próximo e servir os necessitados. Agostinho, ao contrário, enfatizava que o amor é a marca distintiva dos seguidores de Cristo e que esse amor deve se manifestar em ações concretas no mundo. Retirar-se do engajamento social por causa da percepção do mal é ignorar o chamado para ser sal e luz no mundo, testemunhando a esperança que reside em Cristo mesmo em meio à “fragilidade” e “quebra” do mundo.
Em resumo, Agostinho alertava os cristãos contra a ilusão de criar um paraíso terreno através de esforços humanos (utopismo) e contra a resignação passiva diante do mal (cinismo). Ele os chamava a uma postura de esperança ativa, reconhecendo sua cidadania celestial enquanto viviam responsavelmente no mundo, amando a Deus e ao próximo, e buscando a justiça e a paz com a consciência de que a verdadeira e duradoura cidade é a Cidade de Deus.