A atitude de São Bento em relação ao trabalho era profundamente enraizada em sua compreensão da vida cristã e na organização da vida monástica. Ele enfatizava o papel do trabalho manual como uma parte dada por Deus da existência humana.
Bento instruiu seus monges a dedicarem uma quantidade apropriada de tempo a cada dia ao trabalho, à oração e à leitura. Essa tríade formava o cerne da disciplina monástica sob a sua Regra. O trabalho não era visto como uma mera necessidade para a subsistência, mas como um componente essencial da vida espiritual e comunitária.
Uma das teses duradouras sobre o impacto de São Bento sugere que os monges beneditinos transformaram a visão do Ocidente sobre o trabalho, que antes era frequentemente desprezado, elevando-o ao status de uma forma de oração. Embora essa tese possua nuances e não seja isenta de críticas, é verdade que os beneditinos eram exímios na “administração de propriedades” e ajudaram a inculcar nos outros o valor de uma vida de trabalho regular e disciplinada.
No mosteiro ideal concebido no Plano de São Galo, datado do século IX e influenciado pelos princípios beneditinos, a autossuficiência era um objetivo central. O plano detalhava um complexo monástico completo com hortas, celeiro, instalações para gado, serviços médicos, biblioteca, lavanderia e oficinas de artesanato. Isso demonstra a importância prática atribuída ao trabalho manual e à produção dentro da comunidade monástica.
Os monges beneditinos também eram conhecidos por suas habilidades em áreas específicas de trabalho. Por exemplo, durante a Idade Média, tornaram-se famosos pela produção de cerveja. A cerveja era uma bebida básica, e os monges, devido aos seus períodos de jejum, necessitavam de seus benefícios nutricionais. Assim, desenvolveram métodos avançados de fabricação de cerveja, chegando a empregar até 100 monges em uma única cervejaria. Além disso, a tradição beneditina unia a produção de cerveja à hospitalidade, oferecendo diferentes tipos de cerveja a hóspedes e peregrinos.
Outra área em que o trabalho dos beneditinos se destacou foi na medicina herbal. Nos mosteiros medievais, era comum encontrar monges herbalistas que preparavam medicamentos a partir de plantas, ervas e minerais para tratar os enfermos. Essa prática demonstra a aplicação prática do conhecimento e do trabalho em benefício da comunidade.
A própria Regra de São Bento, escrita por volta de 530 d.C., reflete a sua perspectiva sobre o trabalho. Ele equilibrava as horas de oração comunitária (“o ofício divino” ou “a obra de Deus”), a leitura devocional (“lectio divina”) e o trabalho manual. Essa rotina diária cuidadosamente estruturada sublinhava a importância de todas as três atividades na busca por uma vida cristã plena.
O trabalho era considerado parte integrante do “serviço do Senhor”, conforme descrito na Regra. Os monges eram instruídos a realizar suas tarefas de maneira a edificar a comunidade e viver na presença de Deus. A distribuição de encargos visava evitar a sobrecarga de qualquer membro, e exceções eram feitas para os jovens, os idosos e os enfermos.
Até mesmo em um dia de trabalho no jardim, conforme o costume da Abadia de Cluny, os monges combinavam o trabalho manual, como capinar feijões, com a oração e o canto de salmos, demonstrando a integração da devoção com as tarefas cotidianas. O abade, nessas ocasiões, proferia homilias sobre o valor do trabalho manual para a alma.
A famosa história do monge godo que perdeu a lâmina da foice no lago, contada por Gregório Magno, ilustra a abordagem pastoral de São Bento em relação ao trabalho. Ao invés de repreender o monge, Bento o ajudou diretamente, demonstrando que a preocupação com as tarefas práticas e o bem-estar dos indivíduos eram parte de sua liderança.
A revitalização do monasticismo sob a influência da Regra de São Bento, especialmente durante o período carolíngio, impulsionou não apenas a vida espiritual, mas também a educação e a cultura na Europa Ocidental. Os mosteiros tornaram-se centros de aprendizado, cópia de manuscritos e desenvolvimento de novas formas de escrita. Essa atividade intelectual e de produção de livros era também uma forma de trabalho, essencial para a preservação do conhecimento e para a propagação da fé.
Em resumo, para São Bento, o trabalho não era um mero expediente para a sobrevivência, mas um elemento fundamental da vida monástica, intrinsecamente ligado à oração e ao estudo das Escrituras. Ele via o trabalho manual como uma forma digna de servir a Deus e à comunidade, promovendo a disciplina, a autossuficiência e o respeito pela criação. A sua ênfase no equilíbrio entre trabalho, oração e leitura moldou profundamente o monasticismo ocidental e influenciou a visão do trabalho na cultura europeia.