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Agostinho fazia uma distinção significativa sobre o reino de Deus, desviando-se da compreensão dos primeiros Pais da Igreja. Enquanto estes últimos geralmente utilizavam a expressão “reino de Deus” para descrever o resultado final e o alvo do desenvolvimento da Igreja, ou seja, o reino escatológico futuro, Agostinho afirmava: “A Igreja desde agora já é o reino dos céus”.

Com essa afirmação, Agostinho não queria dizer que a Igreja visível e organizada fosse a plenitude do reino escatológico, mas sim, primariamente, que os santos constituem o reino de Deus. Ele via o reino essencialmente identificado com os piedosos e santos, embora também aplicasse coletivamente o termo aos líderes da Igreja.

Essa identificação do reino com os santos levava a um contraste fundamental estabelecido por Agostinho: o contraste entre a cidade de Deus (civitas Dei) e a cidade do mundo (civitas mundi) ou do diabo. Esse contraste não era meramente entre a Igreja institucional e o mundo secular, mas sim uma distinção mais profunda e abrangente.

Para Agostinho, a civitas Dei era equivalente ao cristianismo e incluía os bons, tanto anjos quanto homens santos, abrangendo até mesmo aqueles dentro da Igreja que eram espirituais e eleitos. Por outro lado, a civitas mundi era equiparada ao paganismo e englobava os maus, incluindo anjos caídos e homens ímpios, mesmo aqueles dentro da Igreja que eram carnais e não-eleitos.

É importante notar que, embora Agostinho não retratasse o mundo ímpio como estritamente equivalente ao Estado, a possibilidade de conceber a civitas Dei como a Igreja empírica levava frequentemente à inferência de que a civitas mundi encontraria sua corporização concreta no estado. Essa visão tinha implicações significativas para a maneira como a Igreja se relacionava com o mundo e o poder secular.

A identificação da Igreja (entendida primariamente como a comunidade dos santos) com o reino de Deus teve consequências importantes. Se apenas a Igreja era o reino de Deus, então todos os deveres e atividades dos cristãos deveriam assumir a forma de serviços prestados à Igreja, pois Cristo se referia ao reino como o maior bem e alvo de todo esforço cristão. Isso tendia a conferir um caráter unilateralmente eclesiástico à vida nacional e social, onde tudo o que não estava sob o controle da Igreja era considerado puramente secular, e a renúncia a isso se tornou uma obra de piedade especial.

Outro resultado dessa identificação foi a atribuição de uma significação indevida às ordenanças externas da Igreja. No Novo Testamento, o reino de Deus é apresentado não apenas como alvo da vida cristã, mas também como a súmula das bem-aventuranças cristãs. Consequentemente, julgava-se que todas as bênçãos da salvação chegavam aos homens através das ordenanças da Igreja, e sem o seu emprego, a salvação era considerada impossível.

Finalmente, a identificação da Igreja com o reino provocou uma secularização prática da própria Igreja. Como um reino externo, a Igreja sentiu-se obrigada a definir e defender suas relações com os reinos do mundo, gradualmente dedicando mais atenção à política do que à salvação das almas. O mundanismo começou a tomar o lugar do foco espiritual. Essa visão também levou os pontífices romanos a buscar a supremacia sobre os poderes seculares, exigindo que os imperadores se submetessem ao governo da Igreja, refletindo a ambição de papas como Gregório VII, Inocente III e Bonifácio VIII.

Em resumo, a distinção de Agostinho sobre o reino de Deus residia em vê-lo primariamente como a comunidade dos santos (a civitas Dei) já presente na terra na forma da Igreja espiritual, em contraste com a cidade do mundo (civitas mundi) dos ímpios. Essa perspectiva, embora oferecesse uma compreensão do presente reinado espiritual de Cristo em seus santos, também carregava o potencial para uma interpretação excessivamente terrena e institucional do reino, com implicações significativas para a relação entre a Igreja e o mundo. Contudo, é importante ressaltar que a forte ênfase de Agostinho sobre a absoluta dependência do homem da graça de Deus o impedia de desviar-se tanto quanto alguns de seus contemporâneos na direção do sacramentalismo e de uma visão puramente institucional da salvação.

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