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Martinho Lutero, em sua incisiva obra de 1520, “À Nobreza Cristã da Nação Alemã”, identificou e atacou o que ele chamou de três “paredes” com as quais os “romanistas” (referindo-se à hierarquia da Igreja Católica Romana) se protegiam, impedindo a necessária reforma da igreja. Segundo Lutero, essas muralhas haviam aprisionado o Evangelho e impedido que a verdade bíblica fosse restaurada. A demolição dessas paredes era essencial para que a reforma pudesse avançar, permitindo que tanto a nobreza secular quanto o povo cristão tivessem um papel ativo na renovação da fé e da prática da Igreja.

A primeira dessas “paredes” que Lutero buscou derrubar era a alegação de que o poder secular não tinha jurisdição sobre o poder espiritual. Os romanistas sustentavam que o clero, composto pelo papa, bispos e padres, constituía uma ordem espiritual distinta e superior à ordem secular, que incluía príncipes, nobres e o povo em geral. Com base nessa distinção, eles afirmavam que a autoridade secular não tinha o direito de julgar, corrigir ou reformar a igreja ou o clero, mesmo em casos de corrupção ou abuso. Lutero argumentava veementemente contra essa separação radical e a imunidade reivindicada pelo clero. Ele proclamava a doutrina do sacerdócio universal de todos os crentes, fundamentada nas Escrituras, como 1 Pedro 2:9. Para Lutero, todos os cristãos, sejam eles clérigos ou leigos, pertencem ao mesmo corpo de Cristo e têm o mesmo acesso a Deus através da fé. A distinção entre espiritual e secular era funcional, não ontológica, e não implicava uma superioridade intrínseca do clero. Lutero afirmava que, pelo batismo, todos os cristãos são consagrados sacerdotes. Portanto, se o clero falhasse em sua missão ou se tornasse corrupto, a autoridade secular, como membro do corpo de Cristo e exercendo seu poder por ordenação divina, não apenas tinha o direito, mas também a responsabilidade de intervir para reformar a igreja. Lutero exortava os governantes a assumirem a tarefa necessária de reformar a igreja, já que a cúria romana se mostrava relutante em fazê-lo. Ele argumentava que, se fosse necessário para o bem da cristandade, qualquer pessoa, incluindo a autoridade secular, deveria convocar um concílio livre e genuíno para lidar com os problemas da igreja, especialmente quando o papa se tornava uma ofensa.

A segunda “parede” atacada por Lutero era a afirmação exclusiva do papado de ser o intérprete infalível das Sagradas Escrituras. Os romanistas insistiam que somente o papa possuía a autoridade para interpretar a Bíblia de forma autêntica e que suas interpretações eram finais e irrevogáveis. Essa alegação privava os indivíduos e até mesmo os concílios da igreja do direito de interpretar as Escrituras por si mesmos, subjugando a Palavra de Deus à autoridade papal. Lutero, por sua vez, defendia o princípio da Sola Scriptura, ou seja, a Escritura como a única fonte infalível de autoridade para a fé e a prática cristã. Ele argumentava que a Bíblia é clara e acessível a todos os crentes que a leem com fé e oração. Lutero refutava a ideia de que apenas o papa poderia interpretar as Escrituras, alegando que tal reivindicação não tinha base bíblica. Ele apontava que as chaves do reino, frequentemente usadas para sustentar a autoridade papal, foram dadas não apenas a Pedro, mas a toda a comunidade dos crentes. Além disso, Lutero observava que muitos papas ao longo da história haviam demonstrado falta de fé, questionando sua capacidade de serem os únicos intérpretes confiáveis da Palavra de Deus. Ele acreditava que um simples leigo armado com as Escrituras era superior ao papa ou a concílios que não se baseassem na Bíblia. Lutero não rejeitava completamente a tradição ou os escritos dos Padres da Igreja, mas insistia que todos deveriam ser julgados pela “regra segura da Palavra de Deus”. Para Lutero, a igreja não precedia a Bíblia, mas era criada por ela.

A terceira “parede” que Lutero procurou demolir era a alegação de que somente o papa tinha a autoridade para convocar ou confirmar um concílio geral da igreja. Os romanistas argumentavam que os concílios ecumênicos só eram legítimos e vinculativos se convocados e aprovados pelo papa, conferindo ao papado um controle final sobre o processo de reforma e a definição da doutrina da igreja. Lutero contestava essa prerrogativa exclusiva do papa, argumentando que, em tempos de necessidade e quando o papa se tornava uma ofensa à cristandade, qualquer membro fiel do corpo de Cristo tinha o direito e o dever de trabalhar para a convocação de um concílio verdadeiramente livre. Ele citava o exemplo do Concílio de Jerusalém descrito em Atos 15, que não foi convocado por Pedro, mas pelos apóstolos e anciãos. Lutero também mencionava o Concílio de Niceia, um dos mais importantes da história da igreja, que foi convocado pelo imperador Constantino e não pelo bispo de Roma. Ele argumentava que, se a alegação papal fosse válida, todos os concílios convocados sem a sua aprovação seriam considerados heréticos, o que claramente não era o caso. Lutero acreditava que a autoridade última residia na Palavra de Deus e que a igreja, como um todo, tinha a responsabilidade de preservar a pureza da doutrina e a integridade da prática cristã. Em situações de crise, quando o papa falhava em sua função, a igreja, representada por seus líderes e membros, tinha o direito de se reunir em concílio para buscar a verdade e a reforma.

Ao atacar essas três “paredes”, Lutero buscava libertar a igreja do que ele via como a tirania do papado e restaurar a autoridade das Sagradas Escrituras como a base fundamental da fé cristã. A queda dessas muralhas era, para Lutero, um pré-requisito essencial para uma verdadeira reforma que atingisse a doutrina, a prática e a estrutura da igreja, permitindo que o Evangelho da justificação pela fé fosse pregado livremente e que todos os crentes pudessem ter acesso direto a Deus através de Sua Palavra. Suas três obras seminais de 1520 – “À Nobreza Cristã da Nação Alemã”, “Do Cativeiro Babilônico da Igreja” e “Da Liberdade de um Cristão” – detalhavam e expandiam seus ataques a essas “paredes”, marcando um ponto de inflexão decisivo na história da Reforma Protestante.

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