As principais motivações e o contexto do Império Romano para perseguir os cristãos nos primeiros séculos foram multifacetados, abrangendo as esferas religiosa, política e social.
Motivações Religiosas:
- Recusa em adorar os deuses romanos e o imperador: Uma das principais razões para a perseguição era a recusa dos cristãos em prestar homenagem aos deuses pagãos tradicionais e ao imperador, vista como um ato de impiedade e “ateísmo”. A religião romana estava intrinsecamente ligada à vida cívica e social, e a piedade para com os deuses era considerada essencial para o bem-estar do estado. A recusa dos cristãos em participar desses rituais era interpretada como uma ameaça à ordem pública e à prosperidade do Império. O culto imperial, em particular, que exigia a oferta de incenso ao imperador, era um ponto de conflito inevitável.
- Cristianismo como “superstição”: As autoridades e intelectuais romanos frequentemente descreviam o cristianismo como uma “superstitio”, um culto estrangeiro e degenerado. Este termo carregava conotações de práticas e crenças associadas a povos estrangeiros e era visto como algo prejudicial ao bem público. Tácito, por exemplo, chamou o cristianismo de uma “superstição mortal”.
- Acusações de práticas imorais e ritos estranhos: Rumores infundados, possivelmente distorcendo as práticas da Eucaristia e dos ágapes (festas de amor), acusavam os cristãos de canibalismo e incesto. Também foram acusados de imoralidade, vícios não naturais e magia negra, o que alimentava a animosidade popular.
Motivações Políticas:
- Desafio à autoridade imperial: A crença central dos cristãos de que Cristo era Senhor de tudo relativizava outras lealdades, incluindo as políticas. Sua adesão a uma lei superior à do imperador era vista como uma ameaça a um sistema absolutista.
- Percepção de desunião e perturbação da ordem: As autoridades temiam que a crescente organização dos cristãos, que se consolidavam em torno de comunidades urbanas lideradas por bispos, representasse um poder paralelo ao do Império. Os distúrbios entre judeus e cristãos no início também contribuíram para essa percepção.
- Busca pela unidade e restauração dos valores tradicionais: Imperadores como Decius e Diocletian buscaram fortalecer e unificar o Império através de um retorno aos valores republicanos romanos e à associação de todos os habitantes com os sacrifícios anuais aos deuses de Roma. O monoteísmo cristão era um obstáculo a essa visão de unidade religiosa e cultural.
Contexto Social:
- Animosidade popular: A perseguição muitas vezes era instigada pela animosidade da população local, alimentada por rumores, preconceitos e pela crença de que a ira dos deuses havia sido provocada pela impiedade cristã, resultando em desastres naturais.
- Acusações em tempos de crise: Em momentos de dificuldade, como incêndios, inundações, fomes ou pestes, os cristãos frequentemente eram culpados e se tornavam bodes expiatórios. A famosa exclamação “Cristãos aos leões!” exemplifica essa dinâmica.
- Variações regionais e temporais: A perseguição não foi um fenômeno constante e homogêneo em todo o Império. Foi esporádica, com longos períodos de paz intercalados. Além disso, a intensidade e as causas da perseguição variavam de região para região e sob diferentes imperadores. Nos primeiros dois séculos, era mais frequentemente localizada.
É importante notar que, apesar dessas perseguições, o cristianismo persistiu e cresceu, eventualmente tornando-se a religião dominante do Império sob Constantino. A própria disposição dos mártires em enfrentar a morte em vez de renunciar à sua fé foi um fator poderoso para a sobrevivência e o florescimento do cristianismo.