O Antigo Testamento apresenta um problema fundamental que permeia toda a sua narrativa e estrutura teológica: a tensão entre a santidade e a justiça de Deus, por um lado, e a pecaminosidade e a incapacidade inerente do ser humano de viver à altura dos padrões divinos, por outro. Essa tensão se manifesta de diversas maneiras ao longo das Escrituras hebraicas e culmina no que é descrito como o “enigma do Antigo Testamento”.
Desde o início, com a história da criação e a subsequente queda de Adão e Eva, o Antigo Testamento estabelece a realidade do pecado e suas consequências devastadoras. A rebelião original não apenas introduziu a morte e a separação entre a humanidade e Deus, mas também revelou a profunda inclinação humana para desobedecer aos mandamentos divinos. A história que se desenrola após a queda é marcada por uma contínua degeneração moral e espiritual, culminando no juízo divino através do dilúvio. Mesmo após um novo começo com Noé, a humanidade persiste em sua rebelião, como demonstrado na Torre de Babel.
A eleição de Abraão e a formação da nação de Israel representam a iniciativa de Deus em estabelecer um povo para si, através do qual Ele pudesse revelar seu caráter e seus propósitos redentores. As alianças que Deus estabeleceu com Abraão, Moisés e outros eram compromissos relacionais fundamentados em confiança, amor e cuidado. No entanto, a história de Israel é caracterizada por uma repetida infidelidade a essas alianças, demonstrando a persistência do pecado mesmo no povo escolhido de Deus.
A Lei mosaica, dada por Deus a Israel, servia como uma expressão de sua santidade e como um padrão para a conduta do seu povo. Ela revelava a profundidade do pecado ao definir claramente o que era contrário ao caráter de Deus. Contudo, a própria Lei também demonstrava a incapacidade do povo de cumprir perfeitamente suas exigências. A história de Israel, conforme narrada nos livros históricos do Antigo Testamento, é um testemunho dessa falha constante, marcada por idolatria, injustiça e desobediência.
A paixão de Deus pela santidade é um tema central, e sua ira é apresentada como uma resposta justa ao pecado que quebra a aliança e desafia sua natureza santa. As manifestações da ira divina ao longo do Antigo Testamento, como o exílio de Israel e Judá, servem como lembretes da seriedade com que Deus trata o pecado. Contudo, essa ira nunca é arbitrária ou tirânica, mas sempre motivada pelo seu compromisso com a justiça e pela dor causada pelo pecado.
Para lidar com o problema do pecado e restaurar a comunhão entre um Deus santo e um povo pecador, o Antigo Testamento estabeleceu um sistema sacrificial. Os sacrifícios eram ordenados por Deus como uma forma de expiação, visando tornar duas partes discordantes em uma, ou seja, reconciliar o pecador com Deus. No contexto da aliança, esses sacrifícios apontavam para a necessidade de reparação pela quebra do relacionamento com Deus. O Dia da Expiação, em particular, demonstrava a tentativa de lidar com os pecados de toda a nação através de um sacrifício especial oferecido pelo sumo sacerdote.
No entanto, o próprio Antigo Testamento indica a limitação e a insuficiência final desses sacrifícios para remover completamente a culpa e a barreira do pecado. Passagens como Salmos 40.6 (“Sacrifício e oferta não quiseste”) e as reflexões do autor de Hebreus no Novo Testamento sugerem que havia uma necessidade de algo mais fundamental para a reconciliação plena com Deus. Os sacrifícios eram eficazes apenas pela graça de Deus e apontavam para uma realidade futura.
É nesse contexto que surge o “enigma do Antigo Testamento”, expresso de forma concisa em Êxodo 34.6-7: Deus se revela como “misericordioso e piedoso, tardio em iras e grande em beneficência e verdade; que guarda a beneficência em milhares; que perdoa a iniqüidade, e a transgressão, e o pecado; que ao culpado não tem por inocente”. A pergunta central é como Deus pode, ao mesmo tempo, perdoar o pecado e não deixar o culpado impune. A justiça divina exige uma resposta ao pecado, mas a misericórdia divina anseia pelo perdão. O Antigo Testamento apresenta essa tensão sem oferecer uma resolução completa dentro de sua própria estrutura.
A promessa de esperança no Antigo Testamento reside na expectativa de uma intervenção divina futura que resolveria esse enigma. As promessas feitas por Deus ao longo da história de Israel apontavam para um Redentor, um Messias, que traria a reconciliação plena e duradoura. O Antigo Testamento, portanto, termina em suspense, com a promessa de esperança aguardando seu cumprimento.
Em resumo, o grande problema apresentado pelo Antigo Testamento é a profunda contradição entre a santidade e a justiça de Deus e a persistente pecaminosidade da humanidade, resultando em uma separação e na necessidade de expiação. Embora o sistema sacrificial oferecesse uma forma de lidar com o pecado, ele se mostrava limitado e apontava para uma solução futura que pudesse reconciliar a justiça e a misericórdia de Deus, um enigma que encontraria sua resposta apenas no Novo Testamento com a vinda de Jesus Cristo. A incapacidade do povo de viver à altura da aliança e a aparente incompatibilidade entre o perdão divino e a justiça divina constituem o cerne do problema que o Antigo Testamento apresenta e para o qual aponta uma resolução messiânica.