A Busca Contínua por Comunhão com Deus:
RESUMO: A trajetória cristã, como a dos israelitas rumo à Terra Prometida, é uma ascensão espiritual em etapas. Orígenes, teólogo do século III, destaca a busca pela comunhão com Deus e o papel da comunidade nesse processo. Ele propõe três níveis de relacionamento com Deus, desde a compreensão literal das Escrituras até a união mística com a Trindade. O desafio reside em superar o egoísmo e imitar Cristo para alcançar a plenitude do amor de DEUS.
Reflexão:
A vida cristã, muitas vezes, se assemelha a uma travessia pelo deserto. Sentimos a aridez da dúvida, o calor sufocante do medo e a sede por algo mais profundo, por uma conexão autêntica com Deus. É nesse contexto que a sabedoria de Orígenes de Alexandria, um brilhante teólogo do século III, nos oferece um mapa, uma bússola e a promessa de um oásis.
Orígenes, em sua busca incessante pela ordem que permeia a realidade, identificou a comunhão com Deus como o objetivo último da vida humana. Ele nos convida a trilhar um caminho de ascensão espiritual, inspirado na jornada de 42 acampamentos dos israelitas rumo à Terra Prometida. Cada acampamento, como um degrau em uma escada, representa um estágio de aprendizado, de amadurecimento, de superação das tentações que nos desviam do caminho. Assim como cada geração que culminou na vinda de Cristo teve seu papel, cada passo que damos em direção a Deus nos molda e nos prepara para a plenitude da vida em Sua presença.
Essa trajetória, porém, não é solitária. Orígenes, em contraste com a tendência individualista da espiritualidade moderna, enfatiza a importância da comunidade cristã. A Igreja, corpo e noiva de Cristo, nos sustenta, nos nutre, nos impulsiona em nosso caminhar. A fé, embora nasça em cada um de nós, floresce e se fortalece no solo fértil da comunhão. Encontramos força e encorajamento naqueles que trilham o mesmo caminho, compartilhando as alegrias e as dificuldades, as vitórias e as derrotas.
A beleza da proposta de Orígenes reside na sua abordagem prática e progressiva. Ele nos apresenta três níveis de relacionamento com Deus, como se fossem lentes que nos permitem enxergar a realidade com diferentes níveis de profundidade. No primeiro nível, nos aproximamos de Deus através dos nossos sentidos, da beleza da criação, da sabedoria prática dos Provérbios. A ética e a moral nos guiam nesse estágio inicial.
No segundo nível, a alma, com sua capacidade de pensar, sentir e questionar, busca Deus nas Escrituras, especialmente em Eclesiastes. Através da interpretação cuidadosa e do estudo da natureza, vislumbramos a grandeza e a complexidade da obra divina, aprofundando nosso conhecimento e experimentando a beleza da contemplação.
Finalmente, no terceiro nível, o espírito, livre das amarras do egoísmo e do desejo desenfreado, se eleva em direção à comunhão perpétua com Deus. O Cântico dos Cânticos, lido com os olhos da alma, e a filosofia se tornam guias nesse caminho, culminando na “apatheia”, um estado de profunda paz e união com a Trindade. O amor puro e a caridade ativa se tornam a expressão natural da vida nesse nível.
O grande desafio, como bem nos lembra Orígenes, reside na força gravitacional dos nossos desejos egocêntricos. Esses desejos, como correntes invisíveis, nos prendem ao mundo material, nos distraem da busca pelo divino. É aqui que a figura de Cristo se torna central. Imitar Jesus, seguir seus passos, nos liberta da tirania do ego e nos impulsiona para o alto, em direção à comunhão com o Pai.
A vida cristã, portanto, não é um evento estático, mas uma caminhada contínua de crescimento, aprendizado e transformação. Orígenes nos convida a “nos apaixonarmos por Jesus repetidamente”, a buscar a intimidade com Deus em cada momento, em cada experiência. Essa busca não exige rituais complexos ou fórmulas mágicas, mas sim a prática constante da presença de Deus em nosso dia a dia.
Seja no trabalho, no lar, nas relações interpessoais, a presença de Deus pode transformar o ordinário em extraordinário. Cada desafio se torna uma oportunidade de aprendizado, cada encontro uma chance de amar e servir. É nesse processo constante de busca, de entrega e de transformação que encontramos o verdadeiro sentido da vida cristã, a alegria da comunhão com Deus e a esperança de um futuro transbordante de amor e graça.
Que possamos, como Orígenes, cultivar o desejo ardente pelo amor de Deus, permitindo que esse amor nos molde, nos guie e nos conduza à plenitude da vida em Sua presença.
Por Diego Gonçalves.
Inspirado em:
FOSTER, Richard. Sedentos por Deus – Os Sete Caminhos da Devoção Cristã