A existência de mais de dez mil religiões distintas no mundo é um fato que convida à reflexão profunda. Do animismo tribal nas selvas mais remotas às complexas filosofias orientais e aos grandes sistemas monoteístas, a humanidade demonstra uma busca incessante pelo transcendente. De uma perspectiva cristã clássica, essa diversidade não é um mero acidente histórico, mas o reflexo de uma condição fundamental da natureza humana: fomos criados à imagem de Deus e, por isso, trazemos em nós uma sede insaciável por Ele. Agostinho de Hipona, no século quarto, declarou: “Fizeste-nos para Ti, Senhor, e o nosso coração está inquieto enquanto não repousa em Ti.” A existência de tantas religiões é, portanto, a crônica dessa santa inquietação, as tentativas da humanidade de saciar uma sede que só pode ser plenamente satisfeita em sua Fonte original.
Este artigo parte da premissa de que a diversidade religiosa surge de uma tensão fundamental, estabelecida nos primeiros capítulos da história humana. Por um lado, a revelação universal de Deus na criação e na consciência desperta em todos os povos um anseio inato pelo divino. Por outro, a condição decaída da humanidade, marcada pelo pecado, distorce essa revelação e busca construir seus próprios caminhos de volta para Deus, erguendo torres de Babel em sua tentativa de alcançar os céus.
Parte I: A Revelação Universal e a Grande Distorção
A base para compreender a busca religiosa universal está no conceito bíblico do Imago Dei, a imagem de Deus impressa no ser humano no ato da criação. O livro de Gênesis, em seu capítulo um, versículo vinte e sete, afirma que “Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou”. Essa imagem não é uma semelhança física, mas um reflexo das capacidades comunicáveis de Deus: racionalidade, criatividade, vontade, um senso inato de justiça e a capacidade para uma relação pessoal e íntima com o Criador. Por sermos portadores dessa imagem, possuímos uma consciência que anseia por propósito, uma mente que busca a verdade e um espírito que procura a transcendência. As grandes questões existenciais são os ecos da nossa natureza original, os vestígios de um projeto grandioso: a comunhão com Deus.
Essa predisposição inata para o transcendente é continuamente estimulada pela revelação geral de Deus. O apóstolo Paulo, em sua carta aos Romanos, capítulo um, versículos dezenove e vinte, argumenta que o conhecimento básico sobre Deus é acessível a toda a humanidade: “Pois o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou. Pois desde a criação do mundo os atributos invisíveis de Deus, seu eterno poder e sua natureza divina, têm sido vistos claramente, sendo compreendidos por meio das coisas criadas, de modo que os homens são indesculpáveis”. O simples ato de observar a ordem do cosmos, a complexidade da vida ou a majestade de uma cadeia de montanhas aponta para um Designer inteligente e poderoso. Da mesma forma, a lei moral escrita no coração humano testemunha um Legislador moral universal. Essa revelação geral é a razão pela qual nenhuma cultura está desprovida de alguma forma de religiosidade.
Se Deus se revela a todos e se todos os seres humanos possuem essa sede inata por Ele, por que o resultado é uma cacofonia de crenças contraditórias? A resposta cristã a essa pergunta é a Queda. O evento descrito em Gênesis, capítulo três, foi um ato de rebelião cósmica que fraturou a relação da humanidade com Deus e corrompeu a própria natureza humana. O pecado introduziu uma distorção fundamental em nossa capacidade de perceber e interpretar corretamente a revelação de Deus. As consequências dessa Queda sobre a mente humana — os “efeitos noéticos do pecado” — são profundas. O apóstolo Paulo, em Romanos, capítulo um, explica como essa distorção opera: os homens, mesmo tendo acesso à revelação geral, “trocaram a glória do Deus imortal por imagens feitas segundo a semelhança do homem mortal, bem como de pássaros, quadrúpedes e répteis”. Esta é a certidão de nascimento teológica da idolatria e do politeísmo. A humanidade, vendo o poder de Deus na criação, em vez de adorar o Criador, passa a adorar a própria criação.
A narrativa da Torre de Babel, em Gênesis, capítulo onze, serve como o arquétipo definitivo para essa fragmentação religiosa. A humanidade, unida em soberba, tenta construir uma torre para alcançar os céus por esforço próprio, para “fazer um nome para si mesma”. É o retrato da religião baseada no mérito humano. A resposta de Deus é a confusão das línguas e o espalhamento dos povos. Essa narrativa simboliza a fragmentação da família humana em múltiplas culturas e, por extensão, múltiplos sistemas religiosos, cada um sendo uma “torre” que busca alcançar o céu, mas que, por partir da premissa de autossuficiência, resulta em maior confusão e afastamento.
Parte II: As Torres das Nações: As Respostas dos Gentios
Com essa ferramenta de diagnóstico em mãos — a revelação geral que desperta a busca e a Queda que a distorce —, podemos agora nos aproximar das grandes tradições religiosas que surgiram entre os povos gentios (as nações fora da aliança de Israel), buscando entender como cada uma delas representa uma “torre” particular, uma resposta humana à sede de Deus.
As Religiões Dhármicas, como o Hinduísmo e o Budismo, que emergiram da Índia, partilham de uma visão de mundo cíclica. O Hinduísmo é um vasto conglomerado de crenças. No seu âmago, está a crença em Brahman, a Realidade Última, impessoal e que permeia tudo. De uma perspectiva cristã, essa busca por uma unidade subjacente é um eco da intuição de um único Criador. Contudo, Brahman não é um Deus pessoal e relacional, mas uma força impessoal que se manifesta em um panteão com milhões de deuses e deusas. Esta proliferação de divindades é um exemplo clássico da troca da glória do Deus imortal por imagens de seres criados. O problema humano fundamental no Hinduísmo não é o pecado (rebelião contra um Deus pessoal), mas a ignorância (avidya) de nossa verdadeira natureza, que nos prende no ciclo de renascimento (samsara), governado pela lei impessoal do karma. O objetivo é o moksha, a libertação desse ciclo. O karma é uma tentativa humana de criar um sistema de justiça cósmica sem a necessidade de um Juiz pessoal e santo. É uma moralidade de causa e efeito, onde a salvação é, em última análise, um esforço próprio.
O Budismo, surgido do Hinduísmo, é, em sua essência, não-teísta. A existência de um Deus criador é considerada irrelevante. A grande descoberta de Siddhartha Gautama, expressa nas Quatro Nobres Verdades, é que a vida é sofrimento (dukkha), cuja origem é o desejo (tanha). A solução é eliminar o desejo através do Nobre Caminho Óctuplo. De uma perspectiva cristã, o Budismo oferece uma análise penetrante do sofrimento como sintoma da condição decaída. Contudo, ele diagnostica o sintoma sem identificar a doença (o pecado como separação de Deus). A solução budista é a extinção do desejo e, em última análise, a extinção do “eu” individual (anatman), visto como uma ilusão. O objetivo, o Nirvana, é o “apagar” da identidade pessoal. Esta é a antítese direta da esperança cristã, que é a redenção e glorificação do eu individual para uma eternidade de comunhão com Deus. O Budismo é uma torre de autossalvação, uma nobre tentativa de escapar da dor do mundo pela própria força de vontade.
Em um contraste nítido, o Islã é, como o Cristianismo, uma religião abraâmica e estritamente monoteísta. Um muçulmano adora o Deus único, criador do céu e da terra, Alá. Há muitos pontos de contato: a crença em profetas, num livro sagrado e num dia de julgamento. O Islã responde com força à revelação geral. Sua insistência no monoteísmo radical (Tawhid) é uma correção poderosa contra o politeísmo. A divergência fundamental, no entanto, é abissal e se concentra na natureza de Deus e na identidade de Jesus. No Islã, a unidade de Deus exclui a Trindade, vista como politeísmo. A ênfase está na transcendência absoluta de Deus, um mestre tão outro que a ideia de que Ele possa se tornar humano é blasfema. A relação é de submissão, não de filiação. Consequentemente, Jesus (Isa) é honrado como um grande profeta, mas apenas um homem. A afirmação de sua divindade é a maior ofensa para a teologia islâmica, que também nega sua crucificação e ressurreição. De uma perspectiva cristã, ao negar a divindade de Cristo e sua obra expiatória, o Islã, apesar de seu monoteísmo, remove o coração do Evangelho. A salvação repousa sobre uma balança de obras, na esperança da misericórdia de um mestre soberano, sem a certeza do perdão garantida pelo sacrifício do Cordeiro de Deus.
Parte III: A Preparação do Caminho: O Chamado de Israel e a Lei Mosaica
Enquanto as nações do mundo construíam suas próprias torres em resposta à revelação geral, Deus iniciou um plano completamente diferente. Ele não deixou a humanidade entregue à sua própria confusão. Em um ato de soberania e graça, Deus decidiu intervir diretamente na história, não apenas revelando-se em geral através da criação, mas revelando-se em especial através da palavra e da ação. Este é o começo da história da redenção, e ela começa com o chamado de um único homem: Abraão.
Por volta do ano dois mil antes de Cristo, em meio a um mundo politeísta, Deus chama Abraão de Ur dos Caldeus, conforme registrado em Gênesis, capítulo doze. A promessa feita a ele é o ponto de virada da história humana: “De ti farei uma grande nação, e te abençoarei, e engrandecerei o teu nome; e tu serás uma bênção. Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; e em ti serão benditas todas as famílias da terra”. Este chamado é a resposta direta de Deus à Torre de Babel. Onde a humanidade buscou fazer um nome para si mesma e foi espalhada, Deus promete fazer um nome para Abraão e, através de sua descendência, unificar e abençoar todas as famílias da Terra. Deus estava iniciando um projeto de redenção de longo prazo, escolhendo um povo, Israel, para ser o portador de Suas promessas e o canal através do qual o Salvador do mundo viria. O Judaísmo, portanto, não é meramente uma religião entre outras; é a arena divinamente escolhida para a preparação do mundo para a vinda do Messias.
Séculos depois, quando os descendentes de Abraão se tornaram escravos no Egito, Deus interveio novamente de forma poderosa. Através de Moisés, Ele os libertou da escravidão em um evento conhecido como o Êxodo, que se tornou o ato redentor central da identidade de Israel. No Monte Sinai, Deus estabeleceu uma aliança com esse povo liberto. Ele lhes deu a Lei, a Torá, um código detalhado que governaria sua vida religiosa, social e civil. De uma perspectiva cristã, a Lei Mosaica tinha múltiplos propósitos. Primeiro, ela revelava o caráter santo de Deus. Seus padrões de justiça, pureza e retidão mostravam a Israel e ao mundo como é o Deus que os havia chamado. Segundo, a Lei funcionava como um espelho. Ao estabelecer um padrão de perfeição, ela revelava a profundidade da pecaminosidade humana. Ninguém, exceto Cristo, jamais conseguiu guardar a Lei perfeitamente. Como o apóstolo Paulo argumenta em sua carta aos Romanos, capítulo três, versículo vinte: “pelas obras da lei nenhuma carne será justificada diante dele, pois pela lei vem o pleno conhecimento do pecado”.
Terceiro, a Lei atuava como um tutor ou um guardião. Em Gálatas, capítulo três, versículo vinte e quatro, Paulo a chama de nosso aio (em grego, paidagōgos), um servo que conduzia a criança até seu mestre. A Lei continha Israel, protegia-o das práticas idólatras de seus vizinhos e, ao mostrar sua incapacidade de alcançar a justiça por si mesma, preparava o povo para reconhecer sua necessidade desesperada de um Salvador. A Lei apontava para além de si mesma, para a necessidade da graça.
Parte central dessa Lei era o sistema de sacrifícios, centrado no Tabernáculo e, mais tarde, no Templo em Jerusalém. Deus instituiu um sistema sacerdotal e uma série de sacrifícios de animais para a expiação dos pecados. Este sistema ensinava duas verdades cruciais. A primeira é que o pecado é mortalmente sério e exige o derramamento de sangue, a morte. A segunda é que Deus, em sua misericórdia, provê um substituto. Um animal inocente morria no lugar do pecador. No entanto, o livro de Hebreus, no Novo Testamento, deixa claro que este era um sistema provisório e simbólico. Hebreus, capítulo dez, versículo quatro, afirma que “é impossível que o sangue dos touros e dos bodes tire os pecados”. Esses sacrifícios anuais apenas “cobriam” o pecado e precisavam ser repetidos infinitamente, apontando para um sacrifício futuro, perfeito e definitivo.
Ao longo da história de Israel, Deus continuou a falar através dos profetas. Homens como Isaías, Jeremias, Miqueias e Zacarias não apenas chamavam o povo ao arrependimento por quebrar a aliança, mas também pintavam um quadro cada vez mais claro do Messias que viria. Eles profetizaram que Ele nasceria em Belém, que seria da linhagem do Rei Davi, que realizaria grandes milagres. Mas, de forma surpreendente, eles também falaram de um Messias que sofreria. O capítulo cinquenta e três de Isaías descreve um “Servo Sofredor” que seria “transpassado por nossas transgressões” e “esmagado por nossas iniquidades”, sobre quem o Senhor faria cair “a iniquidade de todos nós”. Os profetas também falaram de uma Nova Aliança que Deus faria, não em tábuas de pedra, mas escrita nos corações, como Jeremias, capítulo trinta e um, profetizou. O Antigo Testamento, portanto, termina em um estado de expectativa. A Lei havia sido dada, o sistema de sacrifícios estava em vigor e as profecias haviam sido feitas. O palco estava montado. A preparação estava completa. O mundo esperava pelo cumprimento.
Parte IV: O Cumprimento da Promessa: A Pessoa e Obra de Jesus Cristo
É nesse exato contexto histórico e teológico que Jesus de Nazaré entra em cena. A mensagem do Novo Testamento é que Jesus não é simplesmente o fundador de uma nova religião desvinculada do passado. Ele é o cumprimento de tudo o que Deus havia preparado em Israel. Sua vida, morte e ressurreição são o “sim” e o “amém” a todas as promessas de Deus. Ele é o ponto para o qual toda a história do Antigo Testamento convergia.
Jesus é o cumprimento da promessa feita a Abraão. Ele é a “descendência” através da qual a bênção alcançaria “todas as famílias da terra”. Sua Grande Comissão aos discípulos para irem a todas as nações quebra as barreiras étnicas e cumpre o propósito original do chamado de Israel. Ele é o cumprimento da Lei Mosaica. Em seu Sermão do Monte, Jesus declara em Mateus, capítulo cinco, versículo dezessete: “Não pensem que vim abolir a Lei ou os Profetas; não vim abolir, mas cumprir”. Ele cumpriu a Lei vivendo uma vida de perfeita obediência ao Pai, algo que nenhum outro ser humano conseguiu fazer. Ele também cumpriu o significado mais profundo da Lei, revelando que ela não se trata apenas de ações externas, mas de atitudes do coração.
Jesus é o cumprimento de todo o sistema sacrificial do Templo. João Batista o apresenta como “o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo”. Sua morte na cruz não foi um acidente trágico, mas o sacrifício definitivo e perfeito para o qual todos os sacrifícios de animais apontavam. Ele é ao mesmo tempo o Sumo Sacerdote perfeito, que oferece o sacrifício, e o Cordeiro perfeito, que é o próprio sacrifício. É por isso que, no momento de sua morte, o véu do Templo, que separava o lugar santíssimo da presença de Deus do resto do santuário, rasgou-se de cima a baixo. O caminho para a presença de Deus estava agora aberto a todos, não através de rituais, mas através da fé no sacrifício de Cristo.
E, finalmente, Jesus é o cumprimento de todas as profecias messiânicas. Ele é o Rei da linhagem de Davi, cujo reino não é deste mundo, mas é eterno. Ele é o Servo Sofredor de Isaías cinquenta e três, que tomou sobre si as nossas dores. Ele é o Filho do Homem, a quem Daniel viu em visão recebendo domínio, glória e um reino eterno. Sua ressurreição dentre os mortos no terceiro dia foi a vindicação de Deus Pai a todas as suas reivindicações, a prova de que seu sacrifício foi aceito e a garantia da vitória sobre o pecado e a morte.
Portanto, o Cristianismo não rejeita o Judaísmo; ele o vê como sua raiz sagrada e divinamente ordenada. A separação entre a sinagoga e a igreja é vista, da perspectiva cristã, como uma tragédia histórica, mas a fé cristã se entende como o cumprimento e a continuação do plano de Deus revelado em Israel, agora estendido a todas as nações.
Parte V: A Resposta ao Rei e a Esperança Final
Diante disso, a questão que ecoa através de dois milênios não é “Qual religião está certa?”, mas “Quem é Jesus Cristo?”. A mensagem cristã desloca o debate do campo das religiões comparadas para o campo de uma reivindicação histórica e pessoal. Se Jesus é quem Ele afirmava ser — o Filho de Deus, o Messias de Israel, o Salvador do mundo —, então Ele não é uma opção em um cardápio espiritual. Ele é a realidade central em torno da qual toda a história humana e o destino de cada indivíduo giram.
A resposta que Ele pede não é a adesão a um sistema religioso, mas a fé pessoal e a submissão a Ele como Senhor e Salvador. É um chamado para abandonar nossas próprias “torres” de autossalvação, sejam elas a busca por libertação através do conhecimento, a tentativa de acumular bom karma, a obediência a uma lei por esforço próprio ou a negação cética de qualquer realidade transcendente. É um convite para receber gratuitamente o perdão e a vida eterna que Ele comprou para nós na cruz.
A esperança cristã final não é a aniquilação da diversidade cultural que Deus mesmo ordenou ao espalhar a humanidade, mas a redenção da diversidade religiosa causada pelo pecado. A visão do apóstolo João no livro do Apocalipse, capítulo sete, versículo nove, é a de uma multidão incontável, que ninguém podia contar, “de toda nação, e tribos, e povos, e línguas”, de pé diante do trono e diante do Cordeiro. Eles não estão vestidos com os uniformes de uma cultura global, mas com vestes brancas, lavadas no sangue do Cordeiro. Esta é a imagem da diversidade humana redimida, a unificação de judeus e gentios, a perfeita e gloriosa reversão da Torre de Babel, onde a sede de Deus, expressa em milhares de buscas e religiões ao longo da história, é, finalmente e para todo o sempre, saciada na adoração unificada do Pai, através do Filho, no poder do Espírito Santo.