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A Soma dos Dias de Moisés: A Matemática de Deus

Texto Bíblico: Atos 7:22-43 (NVI)

Moisés foi instruído em toda a sabedoria dos egípcios e veio a ser poderoso em palavras e obras (At 7:22). ― Ao completar quarenta anos, Moisés decidiu visitar os seus irmãos israelitas (At 7:23). Ao ver um deles ser maltratado por um egípcio, saiu em defesa do oprimido e o vingou, matando o egípcio (At 7:24). Ele pensava que os seus irmãos entenderiam que Deus o estava usando para salvá‑los, mas eles não o compreenderam (At 7:25). No dia seguinte, Moisés dirigiu‑se a dois israelitas que estavam brigando e tentou reconciliá‑los, dizendo: “Homens, vocês são irmãos; por que ferem um ao outro?” (At 7:26). ― Contudo, o homem que maltratava o outro empurrou Moisés e disse: “Quem o nomeou líder e juiz sobre nós? Quer matar‑me como matou o egípcio ontem?” (At 7:27-28). Ouvindo isso, Moisés fugiu para a terra de Midiã, onde viveu como estrangeiro e teve dois filhos (At 7:29). ― Passados quarenta anos, um anjo apareceu a Moisés em meio às labaredas de uma sarça em chamas no deserto, perto do monte Sinai (At 7:30). Vendo aquilo, Moisés ficou atônito. Aproximando‑se para observar, ouviu a voz do Senhor: “Eu sou o Deus dos seus antepassados, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó”. Moisés, tremendo de medo, não ousava olhar (At 7:31-32). ― Então, o Senhor lhe disse: “Tire as sandálias dos pés, pois o lugar em que você está é terra santa. De fato, tenho visto a opressão sobre o meu povo no Egito. Ouvi os seus gemidos e desci para livrá‑lo. Venha agora, e eu o enviarei de volta ao Egito” (At 7:33-34). ― Este é o mesmo Moisés que tinham rejeitado com estas palavras: “Quem o nomeou líder e juiz?”. Ele foi enviado pelo próprio Deus para ser líder e libertador deles, por meio do anjo que lhe apareceu na sarça (At 7:35). Ele os tirou de lá, fazendo maravilhas e sinais na terra do Egito, no mar Vermelho e no deserto durante quarenta anos (At 7:36). ― Este é aquele Moisés que disse aos israelitas: “Deus levantará dentre os seus próprios irmãos um profeta como eu” (At 7:37). Ele estava na congregação, no deserto, com o anjo que lhe falava no monte Sinai e com os nossos antepassados; foi ele que recebeu palavras vivas para transmiti‑las a nós (At 7:38). ― Os nossos antepassados, porém, recusaram‑se a obedecer‑lhe; ao contrário, rejeitaram‑no e, no seu coração, voltaram para o Egito (At 7:39). Eles disseram a Arão: “Faça para nós deuses que nos conduzam, porque a esse Moisés, o homem que nos tirou do Egito, não sabemos o que aconteceu” (At 7:40). Naquela ocasião, fizeram um ídolo em forma de bezerro. Trouxeram‑lhe sacrifícios e fizeram uma celebração em honra ao que suas mãos tinham feito (At 7:41). Deus, porém, afastou‑se deles e os entregou à adoração dos astros, conforme o que foi escrito no livro dos profetas: “Foi a mim que vocês trouxeram sacrifícios e ofertas durante os quarenta anos no deserto, ó povo de Israel? Em vez disso, levantaram o santuário de Moloque e a estrela do seu deus Renfã, ídolos que vocês fizeram para adorar! Portanto, eu os enviarei para o exílio, para além da Babilônia” (At 7:42-43).


Há histórias que, apesar de muito antigas, ainda conseguem falar diretamente ao nosso coração. A vida de Moisés é uma dessas narrativas que transcendem tempo e cultura, revelando verdades profundas sobre como Deus trabalha na vida humana.

Moisés foi um profeta que viveu há três mil e quinhentos anos de nós. E neste texto que acabamos de ler, podemos constatar que quando somamos os dias de Moisés, encontramos uma matemática surpreendente: cento e vinte anos divididos em três períodos de quarenta anos cada um. Mas essa não é apenas uma curiosidade cronológica.

Na verdade, é revelação de como Deus transforma orgulho em humildade, fracasso em propósito, e fraqueza em força.

A história de Moisés, parte fundamental da história do cristianismo, nos ensina que Deus raramente usa pessoas no auge de sua própria força. Ele prefere trabalhar com aqueles que aprenderam a reconhecer suas limitações. É um tapa na cara da nossa cultura contemporânea, tão obcecada por sucesso instantâneo e autossuficiência. A trajetória de Moisés nos mostra que existem processos, ou pelo menos, um tempo de preparação que antecede qualquer grande propósito.

Primeiros Quarenta Anos: O Palácio e a Ilusão de Ter Tudo

Você deve se lembrar que Moisés foi criado no centro do poder mundial de sua época. O Egito do século quinze antes de Cristo não era apenas uma nação, era a superpotência da antiguidade. A arqueologia garante que as pirâmides já estavam lá nessa época, e tudo aquilo impressionavam visitantes, de fato, a cultura do Egito era refinada, sua ciência avançada, seu exército invencível. E no coração desse império vivia um menino hebreu que crescera como príncipe egípcio.

O livro de Atos nos diz que “Moisés foi educado em toda a ciência dos egípcios e era poderoso em palavras e obras” (At 7:22). Essa educação não era superficial. Os egípcios dominavam matemática, astronomia, medicina, arquitetura, literatura. Moisés teve acesso ao que havia de mais avançado no conhecimento humano. Ele conhecia hieróglifos, sabia navegar pela complexa burocracia do império, entendia de estratégia militar, diplomacia internacional.

Mais que isso, ele tinha status. Era reconhecido como membro da família real. Tinha serviçais, riquezas, influência. Quando falava, as pessoas escutavam. Quando caminhava pelos corredores do palácio, era tratado com reverência. Sua palavra tinha peso, seus desejos eram atendidos. Para qualquer observador da época, Moisés estava no topo da vida.

Mas há algo profundamente irônico nessa primeira fase da vida de Moisés. Ele tinha acesso a todo conhecimento humano, exceto ao mais importante: não conhecia verdadeiramente a Deus. Sabia tudo sobre os deuses egípcios, conhecia rituais e mitologias, mas não tinha encontrado o Deus de Abraão, Isaque e Jacó. Tinha tudo que o mundo oferecia, mas não tinha o essencial.

Essa condição revela algo fundamental sobre a natureza humana, por que ela diz que é possível ter acesso a toda educação, toda riqueza, todo prestígio, e ainda assim estar espiritualmente vazio. O sucesso mundano pode ser uma cortina de fumaça que esconde nossa real necessidade de conexão com Deus. Moisés vivia numa bolha dourada, mas era uma bolha que o isolava de sua verdadeira identidade e propósito.

Durante esses quarenta anos, Moisés acreditou que sua educação, status e posição o preparavam para grandes coisas. E de fato preparavam, mas não da forma que ele imaginava. Deus estava permitindo que ele adquirisse conhecimentos e habilidades que seriam úteis no futuro, mas primeiro precisava quebrar a ilusão de que essas coisas, por si só, eram suficientes.

Então chegou o dia que mudou tudo. Atos capítulo sete versículo vinte e três nos diz: “Mas quando completou quarenta anos, ele sentiu o desejo no coração visitar seus irmãos, os filhos de Israel” (At 7:23). Essa versículo que parece só mais um versículo, na verdade, esconde uma revolução interior. Algo despertou na consciência de Moisés. Talvez tenha sido uma conversa, uma observação casual, uma revelação gradual. Mas de repente ele se deu conta de que, apesar de todo seu privilégio, havia um povo sofrendo que era, de fato, seu povo.

A Bíblia nos conta que ele saiu para ver as cargas de seus irmãos e viu um egípcio ferindo um hebreu (At 7:24). O que aconteceu a seguir revela tanto a nobreza quanto a imaturidade de Moisés. Sua indignação era justa, sua compaixão era real, mas seu método foi completamente equivocado. Ele matou o egípcio e escondeu o corpo na areia.

Essa ação precipitada custou-lhe tudo. No dia seguinte, quando tentou mediar uma briga entre dois hebreus, recebeu a resposta devastadora: “Quem te constituiu príncipe e juiz sobre nós? Pensas matar-me como mataste ontem o egípcio?” (At 7:28). Em poucas palavras, sua tentativa de ser libertador foi rejeitada pelo próprio povo que tentava ajudar.

Faraó soube do ocorrido e quis matar Moisés. Em questão de horas, o príncipe se tornou fugitivo. O homem que tinha tudo perdeu tudo. Teve que abandonar o palácio, a posição, as riquezas, a segurança. Correu para salvar a vida e se refugiou numa terra distante e árida chamada Midiã (At 7:29).

Segundos Quarenta Anos: O Deserto e a Lição de Não Ter Nada

O contraste não poderia ser maior. Do luxo do palácio egípcio para a aridez do deserto midianita. Do prestígio de príncipe para a humilhação de fugitivo. De comandar servos para pastorear ovelhas. Moisés experimentou uma queda livre que deve ter abalado tudo que ele pensava saber sobre si mesmo e sobre a vida.

O deserto é um professor severo mas eficaz. Não há como fingir no deserto. Não há máscaras que resistam ao calor escaldante e aos ventos cortantes. Não há status que proteja da sede ou da fome. No deserto, você descobre quem realmente é quando todas as camadas externas são removidas.

Durante quarenta anos, Moisés aprendeu lições que nenhuma universidade egípcia poderia ensinar. Aprendeu paciência ao lidar com ovelhas teimosas. Aprendeu humildade ao ser apenas mais um pastor numa terra de pastores. Aprendeu dependência ao experimentar a fragilidade da vida no deserto. Aprendeu a cultivar o silêncio nas longas horas de solidão com apenas o rebanho como companhia.

Mas talvez a lição mais importante tenha sido aprender que não era o protagonista da história. Durante quarenta anos no palácio, ele foi o centro das atenções. Durante quarenta anos no deserto, ele se tornou irrelevante para o mundo. E essa irrelevância foi terapêutica. Ela curou seu ego, tratou sua arrogância, preparou seu coração para uma obra que seria completamente dependente de Deus.

O profeta Oséias captura essa experiência com palavras poéticas: “Eu te conheci no deserto, em terra muito seca” (Os 13:5). Há algo sobre o deserto que cria condições únicas para encontro com Deus. Sem as distrações da civilização, sem o ruído do sucesso, sem as pressões sociais, a alma fica mais sensível à voz divina. No deserto, Deus não precisa competir por nossa atenção.

Foi no final desses quarenta anos de obscuridade que aconteceu o momento mais importante da vida de Moisés. Ele estava fazendo o que fazia todos os dias: pastoreando o rebanho de seu sogro Jetro nas encostas do monte Horebe. Era uma rotina comum, um dia aparentemente comum, até que algo extraordinário rompeu a normalidade.

Uma sarça estava queimando, mas não se consumia (At 7:30). A curiosidade levou Moisés a se aproximar para investigar esse fenômeno estranho. Foi então que ouviu sua vida ser chamada pelo nome: “Moisés, Moisés!” A resposta dele revela o estado de sua alma após quarenta anos de deserto: “Eis-me aqui”.

Não havia mais arrogância na resposta. Não havia mais presunção. Apenas uma disponibilidade simples e humilde. O Deus que se revelou na sarça ardente disse algo fundamental: “Tira as sandálias dos pés, porque o lugar em que estás é terra santa” (At 7:33). Antes de qualquer chamado, antes de qualquer missão, havia uma exigência: santidade. Reverência. Reconhecimento de que ele estava diante do Sagrado.

É significativo que Deus tenha escolhido se revelar através de uma sarça comum. Não era uma árvore majestosa, não era uma montanha imponente, não era um fenômeno cósmico impressionante. Era um arbusto simples, do tipo que Moisés via todos os dias no deserto. Isso comunica algo profundo sobre como Deus trabalha: Ele se revela no comum, no ordinário, no que passa despercebido para a maioria das pessoas.

O fogo que não consumia a sarça era uma metáfora perfeita para o que estava acontecendo na vida de Moisés. O deserto havia queimado dele toda autoconfiança, toda arrogância, toda presunção, mas não o havia destruído. Pelo contrário, havia preparado um vaso limpo que Deus podia usar. O fogo do deserto havia purificado sem consumir a essência do que Deus queria fazer através dele.

Eu me lembro das palavras do profeta Malaquias falou sobre um tempo quando “para vós que temeis o meu nome nascerá o Sol da Justiça” (Ml 4:2). Essa promessa encontrou cumprimento na experiência de Moisés no deserto. Durante quarenta anos de aparente fracasso e insignificância, Deus estava preparando uma revelação que mudaria não apenas a vida de Moisés, mas a história da humanidade.

O deserto tem uma qualidade única: lá o sol brilha sem obstáculos. Não há prédios altos, não há árvores frondosas, não há nuvens persistentes para bloquear a luz. O sol do deserto é intenso, penetrante, transformador. Da mesma forma, quando nossa alma passa pelo deserto da humilhação e da dependência, ela se torna mais sensível à luz divina.

Moisés descobriu que o calor escaldante do deserto, que inicialmente pareceu um castigo, na verdade estava forjando nele um caráter que nenhuma educação formal poderia produzir. As noites frias do deserto, que inicialmente pareceram solidão cruel, na verdade estavam criando espaços de intimidade com Deus que seriam impossíveis no palácio.

O Sol da Justiça que nasceu no deserto de Moisés não era apenas uma experiência pessoal. Era a preparação para uma obra que libertaria milhões de pessoas e estabeleceria princípios que influenciariam toda a história humana subsequente. Mas essa obra só seria possível porque o homem por trás dela havia sido completamente esvaziado de si mesmo e preenchido com a presença divina.

Terceiros Quarenta Anos: A Liderança e o Poder de Deus

A terceira fase da vida de Moisés é talvez a mais extraordinária. Depois de quarenta anos pensando que tinha tudo, e quarenta anos descobrindo que não tinha nada, ele entrou em quarenta anos descobrindo o que Deus pode fazer através de alguém que aprendeu a ser nada.

O primeiro milagre foi simbólico e profundamente pessoal. Deus perguntou: “Que é isso na tua mão?” Moisés respondeu: “Uma vara” (Êx 4:2). Era o cajado de pastor, simples, comum, usado para guiar ovelhas. Quando Deus mandou que ele a jogasse no chão, ela se transformou em serpente. Quando ele a pegou novamente, voltou a ser vara.

Essa transformação da vara revela um princípio fundamental de como Deus trabalha. Ele não precisa de instrumentos sofisticados. Ele pega o que é comum, o que é simples, o que está disponível, e transforma em instrumento de milagres. A vara de Moisés se tornaria o instrumento através do qual o mar Vermelho se abriria, através do qual água sairia da rocha, através do qual pragas sobrenaturais atingiriam o Egito.

Mas o mais importante não era a vara em si, era a transformação em quem a segurava. O Moisés que hesitou e se sentiu inadequado no encontro da sarça ardente logo se tornaria o líder mais respeitado da história de Israel. Não porque ele havia recuperado sua antiga autoconfiança, mas porque havia aprendido a confiar completamente em Deus.

Durante os quarenta anos no deserto com o povo de Israel, Moisés exerceu um tipo de liderança completamente diferente daquela que teria exercido se Deus o tivesse chamado ainda durante seus anos de palácio. Agora ele era um líder que sabia que dependia completamente de Deus para cada decisão, para cada resposta, para cada milagre necessário.

O livro de Êxodo nos diz que “o Senhor ia adiante deles, de dia numa coluna de nuvem para os guiar pelo caminho, e de noite numa coluna de fogo para os alumiar” (Êx 13:21). Moisés conduzia o povo, mas quem realmente liderava era Deus. Essa distinção fez toda a diferença. O povo não estava seguindo as ideias brilhantes de um ex-príncipe egípcio. Estava seguindo a direção sobrenatural do Deus do universo.

Essa dependência absoluta produziu resultados que nenhuma liderança humana, por mais competente que fosse, poderia produzir. Água brotou de rochas no deserto. Comida caiu do céu todos os dias por quarenta anos. Roupas e sapatos não se desgastaram durante décadas de caminhada. Inimigos poderosos foram derrotados de maneiras sobrenaturais. Uma nação inteira foi sustentada no deserto de forma que desafiava todas as leis naturais.

Mas talvez o milagre mais impressionante tenha sido a transformação do próprio Moisés. O homem que matara um egípcio num impulso de raiva agora intercedia pacientemente por um povo rebelde. O homem que fugira quando rejeitado agora persistia em liderar mesmo diante de constantes murmurações e revoltas. O homem que havia desistido de sua missão libertadora agora perseverava através de décadas de dificuldades para completar a obra que Deus lhe confiara.

A Lei no Fogo do Sinai

Um dos momentos mais extraordinários desses quarenta anos de liderança foi quando Moisés subiu ao monte Sinai para receber a Lei de Deus. Era um momento que simbolizava perfeitamente sua transformação. O homem que outrora conhecera toda a ciência dos egípcios agora recebia conhecimento muito superior: a revelação direta da vontade de Deus para a humanidade.

O livro de Êxodo nos diz que “deu a Moisés, quando acabou de falar com ele no monte Sinai, as duas tábuas do testemunho, tábuas de pedra, escritas pelo dedo de Deus” (Êx 31:18). Imagine a magnitude desse momento. Moisés estava recebendo princípios que governariam não apenas a vida de Israel, mas influenciariam toda a civilização humana subsequente.

Os Dez Mandamentos que ele recebeu no Sinai estabeleceram fundamentos morais que ainda hoje são reconhecidos como base da ética ocidental. Conceitos como santidade de vida, importância da família, honestidade nas relações, respeito à propriedade, veracidade no testemunho, encontraram sua expressão mais clara naquelas tábuas.

Mas o que torna essa cena ainda mais impressionante é considerar quem estava recebendo essa revelação. Não era mais o príncipe arrogante que achava que sabia tudo. Não era o fugitivo desesperado que achava que não sabia nada. Era um homem que havia aprendido a posição correta diante de Deus: humilde o suficiente para receber, confiante o suficiente para transmitir.

Face a Face com o Eterno

O clímax da jornada espiritual de Moisés foi alcançar um nível de intimidade com Deus que a Bíblia descreve de forma quase inacreditável: “Falava o Senhor a Moisés face a face, como qualquer fala com seu amigo” (Êx 33:11). Pense na magnitude dessa declaração. O homem que um dia havia sido apenas mais um príncipe entre muitos no palácio egípcio agora tinha acesso direto ao Criador do universo.

Essa intimidade não aconteceu da noite para o dia. Foi resultado de décadas de relacionamento, de obediência, de dependência. Moisés havia aprendido a linguagem de Deus. Sabia quando falar e quando calar. Sabia quando interceder e quando aceitar. Sabia quando questionar e quando obedecer sem hesitar.

O pedido que Moisés fez a Deus revela o estado de sua alma após oitenta anos de vida: “Rogo-te que me mostres a tua glória” (Êx 33:18). Não era mais um pedido por riqueza, status ou poder. Era o desejo profundo de alguém que havia provado da presença divina e queria mais. Era a súplica de quem havia descoberto que nada neste mundo se compara à experiência de estar na presença do Eterno.

A resposta de Deus foi permitir que Moisés visse Suas costas, pois nenhum homem podia ver Sua face e viver. Mesmo assim, essa experiência foi tão intensa que quando Moisés desceu do monte, sua face brilhava de tal forma que o povo não conseguia olhar para ele. Ele teve que usar um véu para cobrir o rosto, tal era a glória que havia sido refletida nele.

O Propósito Eterno Revelado

Quando analisamos a vida de Moisés em sua totalidade, descobrimos uma matemática divina perfeita. Quarenta anos para ser quebrado do orgulho de ter tudo. Quarenta anos para aprender humildade na experiência de não ter nada. Quarenta anos para descobrir o que Deus pode fazer através de alguém que é nada, mas que confia em Tudo.

O apóstolo Paulo entendeu esse princípio quando escreveu: “Porque quando sou fraco, então é que sou forte” (2Co 12:10). Isso não é paradoxo sem sentido. É uma verdade profunda sobre como o poder divino opera na experiência humana. Quando reconhecemos nossa fraqueza, criamos espaço para que a força de Deus se manifeste através de nós.

Moisés descobriu que Deus não precisava de sua educação egípcia para fazer milagres, mas que podia usar essa educação quando ela estava submetida ao senhorio divino. Deus não precisava de sua posição de príncipe para estabelecer autoridade, mas podia usar a experiência de liderança quando ela estava purificada pela humildade do deserto.

A história de Moisés fala diretamente à nossa experiência contemporânea porque os princípios que governaram sua vida continuam válidos. Vivemos numa cultura que valoriza realização instantânea, sucesso rápido, reconhecimento imediato. Queremos pular as fases de preparação e ir direto para os momentos de glória.

Mas a vida de Moisés nos ensina que há um processo divino que não pode ser acelerado. Há lições que só podem ser aprendidas no deserto. Há caráter que só pode ser forjado no fogo da adversidade. Há intimidade com Deus que só pode ser desenvolvida na quietude da dependência.

Talvez você esteja vivendo seus “quarenta anos de palácio”, desfrutando de sucesso, reconhecimento, realizações. É importante reconhecer que essas bênçãos vêm de Deus, mas que não definem sua identidade final. Sua educação, suas conquistas, sua posição social são presentes de Deus, mas não são substitutos para um relacionamento genuíno com Ele.

Ou talvez você esteja em seus “quarenta anos de deserto”, experimentando frustração, rejeição, obscuridade. É tentador ver esse período como tempo perdido, como punição injusta, como evidência de que Deus se esqueceu de você. Mas a história de Moisés sugere uma perspectiva diferente: talvez Deus esteja usando esse tempo para tratar áreas de sua vida que precisam ser purificadas antes que Ele possa confiar a você uma obra maior.

A Revolução do Nada

O que torna a história de Moisés verdadeiramente extraordinária não são apenas os milagres que Deus fez através dele, mas o propósito eterno que foi revelado através de sua vida. Moisés não foi apenas um libertador político que tirou escravos do Egito. Ele foi o instrumento através do qual Deus estabeleceu princípios que preparariam o mundo para a vinda do Messias.

A Lei que Moisés recebeu no Sinai criou conceitos de justiça, misericórdia, santidade e redenção que encontrariam seu cumprimento final em Jesus Cristo. O sistema sacrificial que ele estabeleceu apontava para o sacrifício definitivo que seria oferecido na cruz. A libertação do Egito que ele liderou prefigurava a libertação do pecado que seria conquistada pelo Salvador.

Isso significa que os oitenta anos de preparação de Moisés não eram apenas sobre sua transformação pessoal. Eram sobre prepará-lo para ser parte de um plano redentor que abençoaria todas as nações da terra. Sua vida individual estava entrelaçada com o propósito eterno de Deus para a humanidade.

Da mesma forma, sua vida não é apenas sobre sua realização pessoal. Deus está preparando você para ser parte de Seu plano maior para o mundo. As experiências que você está vivendo, os desafios que está enfrentando, as lições que está aprendendo, tudo isso está sendo usado por Deus para moldar você para um propósito que pode ser muito maior do que você imagina.

A vida de Moisés representa uma revolução conceitual que desafia toda lógica humana. Na economia de Deus, esvaziar-se é o caminho para ser preenchido. Tornar-se nada é o primeiro passo para ser usado poderosamente. Reconhecer fraqueza é o começo da verdadeira força.

Essa revolução continua acontecendo hoje. Deus ainda procura pessoas que aprenderam a lição fundamental que Moisés levou oitenta anos para dominar: que nossa força não está no que somos, mas em quem Ele é; não no que podemos fazer, mas no que Ele pode fazer através de nós; não no que sabemos, mas em nossa disposição de obedecer ao que Ele revela.

Quando entendemos isso, tudo muda. Não precisamos mais fingir que somos mais competentes do que realmente somos. Não precisamos mais carregar o peso de ter que impressionar as pessoas com nossas realizações. Não precisamos mais viver com medo de que nossos fracassos nos desqualifiquem permanentemente.

Podemos viver na liberdade de saber que Deus usa vasos quebrados. Podemos descansar na confiança de que Ele é especialista em transformar derrotas em vitórias. Podemos ter esperança porque Sua força se aperfeiçoa em nossa fraqueza.

O Convite da Sarça Ardente

A história de Moisés é também um convite. Assim como Deus chamou Moisés pelo nome naquela manhã no deserto, Ele está chamando você hoje. Talvez não através de uma sarça em chamas literal, mas através das circunstâncias de sua vida, através da inquietação de seu coração, através do desejo de ser usado por Ele de maneira significativa.

O convite é o mesmo que foi feito a Moisés: tire as sandálias, porque o lugar onde você está pode se tornar terra santa. Reconheça que você está diante do Sagrado. Entenda que sua vida tem um propósito que vai além de suas ambições pessoais. Aceite que Deus quer usar você, não apesar de suas limitações, mas através delas.

Esse convite não é apenas para pastores ou missionários. É para empresários que querem conduzir seus negócios com integridade. É para pais que querem criar filhos com valores eternos. É para profissionais que querem ser sal e luz em seus ambientes de trabalho. É para estudantes que querem usar sua educação para fazer diferença no mundo.

Deus tem uma sarça ardente para cada vida. Tem uma revelação específica para cada coração que está disposto a se aproximar com reverência. Tem uma missão única para cada pessoa que aprendeu a responder: “Eis-me aqui”.

A Herança Eterna

Quando Moisés morreu aos cento e vinte anos, a Bíblia registra que “não se enfraqueceu a sua vista, nem perdeu o seu vigor” (Dt 34:7). Fisicamente, ele estava no auge de suas capacidades. Espiritualmente, ele havia alcançado um nível de maturidade que poucos seres humanos já experimentaram. Mas sua verdadeira herança não foi pessoal, foi o que ele deixou para as gerações futuras.

Através de Moisés, o mundo recebeu princípios de justiça que ainda hoje governam sociedades civilizadas. Através dele, a humanidade aprendeu sobre a natureza santa de Deus e sobre a possibilidade de relacionamento íntimo com o Criador. Através dele, o povo de Israel foi estabelecido como nação e recebeu sua identidade como povo escolhido de Deus.

Mas talvez a herança mais importante que Moisés deixou foi o exemplo de como Deus pode transformar completamente uma vida humana. Ele provou que não importa quão orgulhoso você tenha sido, Deus pode lhe ensinar humildade. Não importa quão fracassado você se sinta, Deus pode lhe dar propósito. Não importa quão inadequado você se considere, Deus pode lhe dar poder para cumprir Sua vontade.

Sua vida também pode deixar uma herança. Talvez não tão visível quanto a de Moisés, mas igualmente real. Cada pessoa que você influenciar positivamente, cada valor que você transmitir, cada exemplo de fé que você der, tudo isso se tornará parte de sua herança eterna.

A Equação Final

A equação da vida de Moisés pode ser resumida numa fórmula simples mas revolucionária: Deus não usa quem pensa que é tudo, Deus usa quem aprendeu que é nada, porque no nada, Deus é tudo.

Essa não é uma fórmula de resignação ou autodepreciação. É uma fórmula de libertação e poder. Quando paramos de tentar ser o centro da história, descobrimos nosso verdadeiro papel na história que Deus está escrevendo. Quando paramos de confiar em nossa própria força, descobrimos uma fonte de poder que nunca se esgota.

A soma dos dias de Moisés nos ensina que uma vida verdadeiramente significativa não é medida por realizações pessoais, mas por disponibilidade para ser usado por Deus. Não é definida por sucessos humanos, mas por obediência divina. Não é determinada por reconhecimento público, mas por intimidade com o Eterno.

Que sua vida possa refletir a mesma progressão: do orgulho à humildade, da autossuficiência à dependência, da insignificância aparente ao propósito eterno. Que você possa descobrir, como Moisés descobriu, que quando somos fracos, então é que somos verdadeiramente fortes. E que quando não somos nada em nossos próprios olhos, então Deus pode ser tudo através de nós.

A sarça ainda está ardendo. Deus ainda está chamando pelo nome. A pergunta que fica é: qual será sua resposta?

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