A chegada dos jesuítas Matteo Ricci e Michele Ruggieri à China em 1582 d.C. representa um marco significativo, ainda que complexo, na história da evangelização cristã no Oriente. Sob o olhar protestante, é necessário reconhecer tanto os méritos quanto os desafios que esta missão jesuíta apresentou ao cristianismo histórico.
Contexto Histórico:
No final do século XVI, a Companhia de Jesus, fundada por Inácio de Loyola em 1540, destacava-se pela educação rigorosa e pela capacidade estratégica em sua expansão missionária. Após o trabalho notável de Francisco Xavier na Índia e Japão, Ricci e Ruggieri se voltaram à China, percebendo que ali o evangelho enfrentaria desafios peculiares devido à resistência cultural e política ao cristianismo estrangeiro.
Estratégia Jesuíta:
- Aprofundamento Cultural: É inegável o esforço notável dos jesuítas em estudar profundamente a língua, cultura e filosofia chinesas, especialmente o confucionismo. Ricci, em particular, estabeleceu diálogos sólidos com os intelectuais chineses, valorizando a comunicação clara e respeitosa da mensagem cristã. Sob um olhar protestante, essa dedicação ao aprendizado é louvável e deve inspirar missões contemporâneas a se comprometerem profundamente com as culturas locais antes de anunciar o evangelho.
- Diálogo Intelectual e Risco de Sincretismo: A estratégia jesuíta de buscar pontos comuns entre cristianismo e confucionismo merece reconhecimento por facilitar um primeiro contato menos conflituoso. Contudo, do ponto de vista protestante, há um risco sério de comprometer a exclusividade do evangelho ao tentar harmonizar crenças incompatíveis com as Escrituras. O evangelho exige clareza doutrinária, especialmente sobre questões fundamentais como a justificação pela fé somente em Cristo.
- Uso da Ciência e Tecnologia: Os jesuítas acertaram ao usar o conhecimento científico e técnico para ganhar credibilidade e respeito. Essa estratégia eficaz deve ser vista positivamente, lembrando que o evangelho não se opõe ao conhecimento racional, mas o fortalece. Protestantes devem reconhecer que ciência e fé podem dialogar produtivamente para a glória de Deus e o avanço do evangelho.
- Respeito pelos Costumes Locais e Perigos Associados: Embora a abordagem jesuíta em respeitar os costumes chineses tenha sido pioneira e culturalmente sensível, a interpretação das práticas como o culto aos antepassados levanta sérias preocupações do ponto de vista protestante. Ao interpretar essas práticas apenas como reverência familiar e não como idolatria, os jesuítas correram o risco de comprometer a integridade espiritual dos novos convertidos, ao permitir práticas potencialmente contrárias aos mandamentos bíblicos.
Importância Teológica e Histórica
Teologicamente, a missão jesuíta na China exemplifica tanto a necessidade quanto os perigos da contextualização do evangelho. Embora respeitar e conhecer profundamente a cultura local seja essencial, é igualmente vital preservar a pureza doutrinária e bíblica. O exemplo jesuíta, portanto, serve como advertência para que missionários contemporâneos não ultrapassem a linha tênue entre contextualização saudável e sincretismo.
Historicamente, a contribuição de Ricci e Ruggieri é inquestionável ao abrir portas antes fechadas ao cristianismo, estabelecendo as bases para um diálogo intercultural mais amplo. Entretanto, a missão jesuíta também deixou um legado complexo, enfrentando posteriormente dificuldades severas justamente pela falta de clareza doutrinária em questões fundamentais.
Lições para Hoje
- Equilíbrio na Contextualização: Cristãos protestantes devem aprender com o exemplo jesuíta a importância da sensibilidade cultural, mas sempre atentos para não diluir ou comprometer o evangelho bíblico.
- Diálogo Cuidadoso: A interação com outras tradições deve ser promovida com respeito, mas sempre fundamentada claramente na Palavra de Deus, evitando ambiguidades.
- Integração Fé-Ciência: A valorização da ciência e do conhecimento secular demonstrada pelos jesuítas é exemplar, lembrando os protestantes contemporâneos da importância do diálogo construtivo entre fé e razão.
Conclusão
A missão de Matteo Ricci e Michele Ruggieri na China apresenta um legado misto sob uma perspectiva protestante. Ela é digna de reconhecimento por seu pioneirismo cultural e intelectual, mas deve ser cuidadosamente avaliada quanto aos riscos de comprometer aspectos fundamentais da fé cristã. O desafio contemporâneo é continuar aprendendo com seu exemplo, mantendo o equilíbrio entre respeito cultural e fidelidade bíblica absoluta.
