As experiências da juventude de Martinho Lutero, abrangendo sua educação e vida familiar, desempenharam um papel significativo na moldagem de sua trajetória inicial.
Nascido Martin Luder em 1483, ele mais tarde adotou o sobrenome mais academicamente respeitável de Lutero. Sua família mudou-se para Mansfeld quando ele ainda era criança, onde seu pai, Hans Luder, ascendeu de origens humildes de camponês para se tornar um empreendedor na mineração de cobre e até mesmo membro do conselho da cidade. A ambição de Hans em ascender socialmente influenciou sua decisão de proporcionar a Martin uma educação formal, algo que ia além do básico de leitura, escrita e aritmética esperados para alguém que seguiria os negócios da família. Hans tinha a visão de que Martin se tornaria um advogado, uma carreira que traria prestígio e segurança financeira para toda a família.
Essa decisão levou o jovem Lutero a frequentar a escola latina e, posteriormente, a ingressar na Universidade de Erfurt. Ele demonstrou uma inteligência notável, concluindo seus bacharelados e mestrados no menor tempo permitido pelos estatutos da universidade. Sua proficiência em disputações públicas lhe rendeu o apelido de “O Filósofo”. O pai orgulhoso chegou a presentear Martin com o “Corpus Juris Civilis”, um texto central para os estudos jurídicos da época. Essa educação jurídica inicial desenvolveu em Lutero habilidades de argumentação e análise que seriam cruciais em seus debates teológicos posteriores.
Apesar da promissora carreira jurídica que se abria para ele, Lutero começou a ter dúvidas sobre o estado de sua alma. Um evento marcante ocorreu em 1505, quando, a caminho de volta para a faculdade de direito, ele foi apanhado por uma violenta tempestade. Aterrorizado por um raio que caiu perto dele, Lutero clamou por Santa Ana, a padroeira dos mineiros, prometendo tornar-se monge. Esse voto repentino, feito em um momento de extremo medo, alterou drasticamente o curso de sua vida.
A criação religiosa de Lutero também contribuiu para sua sensibilidade espiritual e busca por segurança. Sua mãe, Margaretha, compartilhava das superstições comuns da época. A família vivia em um ambiente onde se esperava que as pessoas se esforçassem pela salvação futura, assim como trabalhavam para a sobrevivência material. Lutero cresceu imerso em uma religião que enfatizava a necessidade de ações e rituais para alcançar a graça divina.
Apesar da ambição de seu pai e de seu rápido sucesso acadêmico, a experiência do quase-morte durante a tempestade parece ter catalisado uma preocupação mais profunda com sua salvação espiritual, superando as expectativas de uma carreira secular. Mantendo seu voto, Lutero renunciou a seus bens, incluindo seu amado alaúde e seus livros de direito, para ingressar no Mosteiro Negro dos Agostinianos Observantes em Erfurt.
Dentro do mosteiro, Lutero se dedicou com fervor à vida monástica, engajando-se em orações, jejuns e práticas ascéticas com intensidade. Ele foi considerado um monge extraordinariamente bem-sucedido. Em menos de dois anos, foi ordenado sacerdote. Posteriormente, foi enviado a Roma em uma missão para a ordem e, por ordem de seus superiores, iniciou seus estudos em teologia para se tornar um dos professores da ordem.
No entanto, a paz espiritual que ele buscava ao entrar no mosteiro não perdurou. Lutero passou a ser atormentado por temores e ansiedades intensos, especialmente em relação à ira de Deus. Essa luta interna o impulsionou a investigar intelectualmente essas questões ao iniciar seus estudos teológicos. Ele reconheceu que sua teologia não surgiu de repente, mas através de muito estudo, ensino e escrita, de maneira semelhante a Agostinho.
Assim, a combinação de uma educação rigorosa que lhe forneceu ferramentas intelectuais, uma experiência familiar ambiciosa e talvez disciplinadora, um evento súbito que o confrontou com a mortalidade e uma profunda busca espiritual o levaram a abandonar uma promissora carreira jurídica para ingressar na vida monástica e, posteriormente, a se dedicar ao estudo da teologia, um caminho que o colocaria em rota de colisão com as doutrinas e práticas da igreja de sua época. Sua trajetória inicial foi, portanto, moldada por uma interação complexa entre as expectativas de sua família, suas próprias inclinações intelectuais e uma crescente angústia espiritual que o impulsionou em direção a uma busca por um relacionamento mais profundo e significativo com Deus através do estudo das Escrituras.