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Lutero lidou com as divisões internas dentro do movimento protestante com uma firmeza doutrinária inabalável, frequentemente marcada por intensa controvérsia e uma forte convicção de que sua compreensão da verdade bíblica era a correta. Para Lutero, a doutrina, especialmente a justificação pela fé somente em Cristo, era fundamental para a unidade e harmonia entre os reformadores. Desvios doutrinários eram vistos como sérias ameaças à verdadeira Reforma da igreja.

A mais notável das divisões envolveu a controvérsia sobre a Ceia do Senhor, que o colocou em conflito direto com outros reformadores importantes como Ulrich Zwingli de Zurique, João Oecolampadius de Basileia e Martin Bucer de Estrasburgo. Enquanto Zwingli e outros interpretavam as palavras de Cristo “Isto é o meu corpo” como significando “Isto representa o meu corpo”, vendo a presença de Cristo na Ceia como espiritual e dependente da fé dos comunicantes, Lutero insistia em uma interpretação literal. Ele acreditava que o corpo e o sangue de Cristo estavam realmente presentes “em, com e sob” o pão e o vinho. Para Lutero, questionar as palavras de Cristo era negar a promessa de Cristo e minar a Encarnação, com a própria essência do Evangelho em jogo.

Essa divergência levou a um encontro em Marburgo em 1529 para tentar alcançar um acordo, mas nenhum foi possível. Lutero manteve-se inflexível, citando as Escrituras com veemência (“Hoc est corpus meum!”) e recusando qualquer desvio do significado literal. Ele chegou a declarar que preferiria comer esterco se Cristo o ordenasse, tal era sua confiança na Palavra divina. Essa controvérsia criou a primeira grande cisão dentro do movimento protestante. Lutero considerava o lado opositor nesta disputa como pertencente ao Diabo e inimigo de Deus, acusando-os de permitir que a razão humana se intrometesse nas palavras claras da Escritura.

Outra figura com quem Lutero teve um conflito significativo foi Andreas Karlstadt, que havia sido seu superior e colaborador inicial na Reforma em Wittenberg. No entanto, Karlstadt adotou reformas mais radicais em Wittenberg enquanto Lutero estava escondido em Wartburg, as quais Lutero repudiou ao retornar. Eles divergiram sobre a Ceia do Senhor, com Karlstadt defendendo uma visão memorial, e sobre outras práticas como o batismo infantil. Lutero via as reformas de Karlstadt como precipitadas e desordenadas, associando-o a visionários radicais como os “Profetas de Zwickau” e Thomas Müntzer, que liderou a Guerra dos Camponeses. A postura de Lutero em relação à Guerra dos Camponeses, inicialmente mediadora, endureceu após a escalada da violência, levando-o a escrever um tratado incitando os príncipes a suprimir brutalmente os camponeses. Essa ação controversa demonstrou sua prioridade pela ordem e pela autoridade secular, mesmo em face da injustiça social.

Lutero também expressou forte oposição aos anabatistas, agrupando vários radicais de esquerda em uma única categoria. Ele os criticava por serem espiritualmente presunçosos e por rejeitarem o batismo infantil, vendo suas ideias como “diabólicas”. Inicialmente, Lutero desaprovou a perseguição dos anabatistas por Zwingli, mas sua atitude mudou com o surgimento de muitos radicais e a Guerra dos Camponeses. Mais tarde, ele chegou a tolerar a pena de morte por blasfêmia, na qual incluía o “falso ensino” anabatista.

Apesar de suas disputas acirradas com muitos reformadores, Lutero demonstrou respeito por alguns. Ele falou favoravelmente de certos reformadores ingleses como Robert Barnes, Hugh Latimer, William Tyndale e Thomas Cranmer, especialmente por compartilharem visões semelhantes sobre a Ceia do Senhor.

Sua relação com João Calvino, um reformador de uma geração posterior, parece ter sido marcada por um respeito mútuo, embora nunca se tenham encontrado. Lutero expressou admiração pelas Institutas da Religião Cristã de Calvino e chegou a dizer que confiaria a ele a questão da controvérsia sobre a Ceia do Senhor desde o início, sugerindo que um acordo poderia ter sido alcançado se seus outros oponentes tivessem feito o mesmo.

A abordagem de Lutero para lidar com as divisões internas era caracterizada por sua profunda convicção de ter redescoberto o verdadeiro Evangelho. Ele via aqueles que discordavam dele como estando em erro, muitas vezes sob a influência de Satanás. Sua escrita polêmica era frequentemente dura e cáustica, refletindo sua paixão e sua crença na urgência de defender a verdade. Ele se via como um “lenhador rude” que precisava desarraigar os tocos e troncos da falsa doutrina. Embora às vezes lamentasse sua veemência, ele a justificava como necessária para combater os inimigos de Deus e preservar a pureza do Evangelho.

Em última análise, a rigidez doutrinária de Lutero e sua recusa em comprometer o que ele considerava verdades bíblicas essenciais levaram a divisões duradouras dentro do movimento protestante. Embora buscasse uma reforma unificada, sua firmeza doutrinária teve o efeito de definir fronteiras claras entre diferentes tradições protestantes. Para Lutero, a unidade só poderia ser construída sobre um fundamento de doutrina correta, conforme ele a entendia.

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