Introdução
A cena é quase insuportável de tão tensa. O pai, Jacó, acaba de morrer. Os irmãos de José, que décadas antes o venderam como escravo por pura maldade e ciúme, agora estão sozinhos com ele. E José tem todo o poder do Egito nas mãos. Eles esperam a vingança. É o que nós esperaríamos. O que eles recebem, em vez disso, é uma das declarações teológicas mais profundas de toda a Escritura. Uma declaração que redefine o próprio significado do sofrimento e aponta diretamente para o coração do Evangelho.
A Resposta de José ao Sofrimento
A pergunta “Por que pessoas boas sofrem?” ecoa em corredores de hospitais, em lutos silenciosos e em meio à injustiça. É talvez a maior objeção levantada contra a bondade de um Deus soberano. Mas José, de pé diante de seus irmãos apavorados, nos oferece a única resposta que satisfaz a alma. Em Gênesis, capítulo 50, lemos:
“José, porém, respondeu: ‘Não tenham medo de mim. Por acaso sou Deus para castigá-los? Vocês pretendiam me fazer o mal, mas Deus planejou tudo para o bem. Colocou-me neste cargo para que eu pudesse salvar a vida de muitos.’” (Gênesis 50:19-20, NVI)
O Mal é Mal, Mas Deus é Soberano
Vamos ser absolutamente claros sobre o que José não está fazendo. Ele não está minimizando o pecado de seus irmãos. Ele não diz: “Ah, não foi nada, águas passadas”. A Palavra de Deus nunca trata o pecado com leviandade. José olha nos olhos daqueles homens e afirma: “Vocês pretendiam me fazer o mal”. A intenção deles era perversa. Ódio, traição, assassinato frustrado.
O sofrimento de José foi real, foi injusto e foi brutal. Ele foi jogado numa cova, vendido, falsamente acusado de estupro e apodreceu numa prisão. A Bíblia é honesta sobre a dor.
Mas a fé de José, forjada no sofrimento, permitiu que ele enxergasse uma Mão soberana por trás da mão pecaminosa de seus irmãos. “Vocês pretendiam o mal, mas Deus…”. Essa é a dobradiça da história da redenção. Deus não foi pego de surpresa. O Senhor não estava apenas reagindo ao caos; Ele estava ativamente tecendo Seu plano perfeito usando o caos do pecado humano.
E aqui, a história de José deixa de ser apenas sobre José e se torna um espelho poderoso, um protótipo da história de Cristo.
José: Um Espelho do Evangelho
Pense nisso com cuidado. José, o filho amado do pai, foi odiado e traído por seus próprios irmãos, o povo da aliança. Foi vendido por moedas de prata. Sofreu a mais profunda injustiça, sendo condenado mesmo sendo perfeitamente inocente. E, depois de seu sofrimento e humilhação — da cova e da prisão — ele foi exaltado ao lugar de maior honra, à direita do Faraó.
E para quê? Para se tornar o provedor de pão, o salvador que livraria o mundo conhecido da fome e preservaria a vida de sua própria família que o traiu.
A história de José é o Evangelho em sombras.
Gênesis 50 e a Lógica da Cruz
Ela nos prepara para ver Jesus. O Filho amado do Pai, que veio para os Seus, e os Seus não O receberam. Traído por um dos Seus. Trocado por prata. Condenado injustamente. Ele sofreu a morte mais brutal e vergonhosa. E através dessa aparente derrota, Deus O ressuscitou e O exaltou acima de todo nome.
Gênesis 50:20 é a lógica exata da Cruz do Calvário. O que os homens fizeram por pura malícia — ao pregar o Santo Filho de Deus numa cruz — foi o exato meio que Deus planejou para o bem supremo: a salvação de muitos. A cruz é o maior “Vocês pretendiam o mal, mas Deus planejou para o bem” de toda a eternidade.
A Resposta de Deus: Uma Pessoa, Não uma Fórmula
A resposta bíblica para o nosso sofrimento não é uma fórmula, é uma Pessoa. Não olhamos para nossas circunstâncias, olhamos para a Cruz. Deus não promete que entenderemos o motivo da nossa dor, mas Ele nos mostra Seu caráter. Se Ele pôde pegar o ato mais perverso da história — a crucificação de Seu Filho — e transformá-lo na nossa salvação, Ele pode pegar o mal que nos aflige e usá-lo para Seus bons propósitos.
Isso não é fatalismo. Não significa que ficamos parados diante da dor. Confiando que Deus está em ação, somos libertos da amargura e da vingança. Podemos, então, permitir que Cristo nos use, assim como usou José, não como agentes de retribuição, mas como instrumentos de cura e provisão para um mundo que sofre.
Conclusão
Nossa confiança não está na ausência de sofrimento, mas na soberania de um Deus que redime o sofrimento. A questão não é se Deus pode usar sua dor para o bem; a questão é se confiaremos Nele enquanto Ele o faz.
O que essa perspectiva de Gênesis 50, vista através da cruz, muda na forma como você encara sua própria história?
Fontes para Aprofundamento
- Gênesis: Introdução e Comentário – Derek Kidner (Editora Vida Nova, 2011)
- O Sofrimento e a Soberania de Deus – D. A. Carson (Editora Fiel, 2012)
- Sofrimento: O Caminho Para a Glória – John Piper (Editora Fiel, 2021)