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A controvérsia trinitariana nicena foi motivada fundamentalmente pelas ideias anti-trinitarianas de Ário, um presbítero de Alexandria, conhecido por sua habilidade em argumentar, embora não fosse considerado um pensador profundo. Sua principal preocupação era o princípio monoteísta do monarquianismo, ou seja, a crença em um único Deus não gerado, um único Ser não originado, sem qualquer começo de existência.

Ário fazia uma distinção entre o Logos imanente em Deus, que consistiria apenas de uma energia divina, e o Filho ou Logos que finalmente se encarnara. Este último, segundo Ário, teve um começo, sendo gerado pelo Pai, o que em seu entendimento significava que Ele fora criado do nada antes da existência do mundo. Consequentemente, o Filho não seria eterno nem teria a essência divina. Para Ário, o Filho seria o maior e o primeiro de todos os seres criados, trazido à existência para que, por meio dele, o mundo fosse criado. Ele também o considerava um ser mutável, embora divinamente escolhido por causa de seus méritos pre-conhecidos, sendo intitulado Filho de Deus em vista de sua glória futura e merecendo veneração por sua adoção como Filho. Ário buscava respaldo bíblico para suas ideias em passagens que pareciam apresentar o Filho como inferior ao Pai, como Provérbios 8:22 (Septuaginta), Mateus 28:18, Marcos 13:32, Lucas 18:19, João 5:19 e 14:28, e 1 Coríntios 15:28.

A oposição ao arianismo surgiu inicialmente com Alexandre, o próprio bispo de Ário, que defendia a verdadeira e devida deidade do Filho, mantendo o ensino da filiação eterna por geração. Contudo, o principal oponente de Ário se revelou ser Atanásio, o arqui-diácono de Alexandria, que se destacou na história como um campeão poderoso, inflexível e resoluto da verdade. Seeberg atribuiu a força de Atanásio à estabilidade e genuinidade de seu caráter, ao firme alicerce de seu conceito da unidade de Deus (que o isentava da ideia de subordinação comum na época) e ao seu tato em ensinar os homens a reconhecerem a natureza e o significado da Pessoa de Cristo. Atanásio sentia que considerar Cristo uma criatura era negar que a fé nele leva os seres humanos à união salvadora com Deus.

Atanásio enfatizava a unidade de Deus e insistia em formular a doutrina da Trindade de modo a não comprometer essa unidade. Ele argumentava que, se o Pai e o Filho são da mesma essência divina, não haveria divisão ou separação no Ser essencial de Deus, tornando errôneo falar de um Theos Deuteros (um segundo Deus). Ao mesmo tempo, ele reconhecia três hipóstases distintas, três substâncias em Deus, e defendia a existência independente e eternamente pessoal do Filho, rejeitando a ideia de um Filho criado antes do tempo postulada por Ário. Ele também advertia que as três hipóstases em Deus não poderiam ser consideradas separadas, pois isso levaria ao politeísmo. Para Atanásio, a unidade de Deus e as distinções em seu Ser seriam melhor expressas pelo termo “unidade de essência” (homoousios), que claramente indicava que o Filho é da mesma substância que o Pai, embora pudessem diferir em outros aspectos, como a subsistência pessoal. Diferentemente de Orígenes, que definira a geração do Filho como um ato dependente da vontade soberana do Pai e que envolveria uma espécie secundária de divindade, Atanásio descrevia essa geração como um ato interno, necessário e eterno da parte de Deus.

A motivação de Atanásio não era apenas a necessidade de coerência lógica, mas principalmente de natureza religiosa e soteriológica. Sua convicção fundamental era que a união com Deus é essencial para a salvação, e nenhuma criatura, a não ser quem de Si mesmo é Deus, tem o poder de unir-nos a Deus. Como afirmou Seeberg, somente se Cristo é Deus no sentido mais pleno da palavra, sem qualquer qualificação, é que Deus entrou na humanidade e, consequentemente, foram trazidos com certeza ao homem o companheirismo com Deus, o perdão dos pecados, a verdade de Deus e a imortalidade.

Para solucionar essa disputa, o Concílio de Nicéia foi convocado em 325 d.C.. A questão central era clara: os arianos rejeitavam a ideia de uma geração não temporal e eterna, enquanto Atanásio a afirmava; os arianos asseveravam que o Filho fora criado do não existente, enquanto Atanásio sustentava que ele fora gerado da essência do Pai; e os arianos defendiam que o Filho não era da mesma substância do Pai, mas Atanásio insistia que ele era homoousios com o Pai.

Além dos partidos contendores, havia um grande partido intermediário, constituindo a maioria, liderado por Eusébio de Cesareia, o historiador da Igreja, também conhecido como partido origenístico por se basear nos princípios de Orígenes. Esse partido tendia a favorecer Ário, opondo-se à doutrina de que o Filho é da mesma substância que o Pai (homoousios) e propondo, em vez disso, o termo homoiousios (de substância similar à do Pai).

Após considerável debate, o Imperador Constantino interveio, dando vitória ao partido de Atanásio. O concílio adotou uma declaração inequívoca sobre a questão: “Cremos em um Deus, o Pai Todo-Poderoso, Criador das coisas visíveis e invisíveis. E em um Senhor Jesus Cristo, gerado, não criado, sendo da mesma substância (homoousios) com o Pai”. O termo homoousios era intencionalmente preciso, não podendo ser interpretado de outra forma senão a identidade da essência do Filho com a do Pai, colocando o Filho no mesmo nível do Pai como um Ser incriado e reconhecendo-O como autotheos (Deus de Si mesmo).

Em um contexto histórico mais amplo, a controvérsia nicena também foi motivada pela falta de clareza sobre a doutrina da Trindade entre os primeiros Pais da Igreja. Alguns concebiam o Logos como razão impessoal que se tornara pessoal na criação, enquanto outros o viam como pessoal e co-eterno com o Pai, participando da essência divina, embora atribuindo-lhe certa subordinação. O Espírito Santo não ocupava um lugar central nessas discussões iniciais. Além disso, o surgimento do monarquianismo, com sua ênfase na unidade de Deus e na verdadeira deidade de Cristo, mas negando a Trindade no sentido próprio, também criou um pano de fundo para a necessidade de definir mais precisamente a relação entre o Pai e o Filho. As tentativas anteriores de teólogos como Tertuliano e Orígenes de articular a doutrina da Trindade, embora significativas, ainda apresentavam ambiguidades e pontos de tensão que o arianismo explorou.

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