Convencido de que vivia nos últimos dias, Martinho Lutero desenvolveu visões específicas sobre o fim dos tempos e identificou uma série de inimigos que, a seu ver, ameaçavam a verdadeira fé e a obra de Deus.
Em relação ao fim dos tempos, Lutero estava persuadido de que a sua época marcava os derradeiros dias da história mundial. No prefácio à sua tradução do livro de Daniel, ele identificou o Anticristo mencionado em Daniel 11 com o papado. Adicionalmente, ele interpretou o “pequeno chifre” descrito em Daniel 7 como sendo o Império Turco Otomano, que na época representava uma ameaça significativa para a Europa a partir do leste. Essa identificação dos turcos como um sinal dos tempos finais era consistente com a sua crença na iminência do fim.
Lutero enxergava a história do mundo como uma batalha contínua entre a verdadeira e a falsa igreja, desde os primórdios. Essa perspectiva moldou a sua identificação de inimigos, que incluía não apenas aqueles externos à fé cristã reformada, mas também aqueles que, dentro do movimento protestante, divergiam de suas doutrinas fundamentais.
O principal antagonista que Lutero identificou foi o papado. Para ele, o papado era o próprio Anticristo profetizado nas Escrituras, especialmente em Daniel 11. Essa convicção era central para a sua teologia e alimentou muitas das suas críticas e tratados polêmicos contra a Igreja Católica Romana. Lutero recusava qualquer negociação com Roma, considerando-a a sede do Anticristo. A doutrina católica da missa como um sacrifício oferecido a Deus era particularmente repugnante para Lutero, que a via como uma deturpação do evangelho.
Além do papado, Lutero também considerava certos grupos de protestantes como “falsos irmãos” ou “fanáticos”. Esses eram reformadores e movimentos que, apesar de compartilharem algumas crenças evangélicas com Lutero, divergiam em pontos doutrinários cruciais, especialmente na interpretação da Ceia do Senhor. Lutero polemizou fortemente contra figuras como Andreas Karlstadt e Ulrich Zwingli por suas visões simbólicas da Eucaristia, insistindo na presença real do corpo e sangue de Cristo “em, com e sob” o pão e o vinho. Para Lutero, essas divergências doutrinárias não eram triviais, mas ameaçavam a própria essência do evangelho. Ele via esses oponentes protestantes como agentes de Satanás, trabalhando para destruir a verdadeira igreja.
Os turcos otomanos também eram vistos como inimigos significativos. Lutero os identificava como o “pequeno chifre” de Daniel 7 e um sinal dos últimos tempos. Dada a ameaça militar que representavam para a Europa cristã, Lutero escreveu, inclusive, uma “Admoestação à Oração contra os Turcos”. Ele os via como monoteístas que buscavam destruir os seguidores do verdadeiro Deus trino.
Os judeus constituíam outro grupo que Lutero considerava inimigo. Inicialmente, em 1523, ele adotou uma postura mais tolerante, criticando o tratamento desumano que os católicos dispensavam aos judeus e defendendo uma abordagem mais gentil para facilitar a sua conversão. No entanto, mais tarde, frustrado pela persistente recusa dos judeus em aceitar Jesus como Messias e perturbado por rumores de esforços judaicos para converter cristãos, a sua atitude tornou-se extremamente hostil. Em 1543, ele escreveu o seu tratado “Sobre os Judeus e Suas Mentiras”, no qual propôs medidas severas contra eles, incluindo a destruição de sinagogas e escolas, a confiscação de livros religiosos, a proibição do ensino rabínico e a expulsão do convívio cristão. Lutero via o coração judeu como endurecido e blasfemo contra Cristo, Maria e a Trindade. Embora a sua motivação fosse teológica e não racial no sentido moderno, as suas palavras e propostas contribuíram para um legado problemático de antissemitismo.
Por trás de todos esses inimigos humanos, Lutero enxergava a figura de Satanás, o “pai da mentira”. Ele acreditava que o Diabo era o mestre por trás daqueles que se opunham ao evangelho e à sua obra de reforma. Muitas vezes, os seus ataques eram direcionados não apenas aos seus oponentes humanos, mas ao próprio Demônio, que ele via como a força motriz por trás da falsa igreja e das heresias. Lutero atribuía muitas das suas aflições pessoais, como doenças e depressão (que ele chamava de “batalhas com o Diabo”), às maquinações satânicas para o desviar da sua missão.
Em suma, as visões de Lutero sobre o fim dos tempos estavam ligadas à sua interpretação das profecias bíblicas, identificando o papado e os turcos como figuras significativas nesse cenário. Os seus inimigos eram aqueles que, a seu ver, se opunham à Palavra de Deus e à sua compreensão do evangelho, incluindo o papado, protestantes com visões divergentes, os turcos e, em seus últimos anos, os judeus. Em todas essas oposições, Lutero via a influência nefasta de Satanás, o principal adversário da verdade divina.