O ano de 1505 foi um divisor de águas na vida de Martinho Lutero, marcando uma série de eventos cruciais que o desviaram de uma promissora carreira jurídica e o conduziram ao caminho da vida monástica, etapa fundamental para o desenvolvimento de sua teologia revolucionária e seu papel na Reforma Protestante.
Primeiramente, em 1505, Lutero concluiu seus estudos na Universidade de Erfurt com a obtenção do grau de Mestre em Artes. Ele havia demonstrado uma inteligência extraordinária, conquistando tanto o bacharelado quanto o mestrado no menor tempo permitido pelos estatutos da universidade. Sua proficiência em disputações públicas lhe rendeu o apelido de “O Filósofo”. Este sucesso acadêmico abriu as portas para a realização dos planos de seu pai, Hans Luder, que ambicionava que o filho se tornasse um advogado bem-sucedido, capaz de prover para toda a família.
Dando seguimento a essas expectativas paternas, Lutero iniciou seus estudos de direito. Seu pai, Hans, orgulhoso do progresso do filho, chegou a presenteá-lo com o Corpus Juris Civilis, o texto central para os estudos jurídicos da época. Tudo indicava que Lutero trilharia uma carreira brilhante no campo do direito, atendendo aos desejos de seu pai e ascendendo socialmente.
No entanto, o destino de Lutero tomou um rumo inesperado naquele mesmo ano. Em 1505, enquanto retornava a Erfurt após uma visita à sua família, Lutero foi surpreendido por uma violenta tempestade perto da aldeia de Stotternheim. A intensidade do trovão e dos raios o aterrorizou profundamente. Em meio ao medo da morte iminente, Lutero clamou por ajuda a Santa Ana, a padroeira popular dos mineiros, proferindo um voto solene: “Ajuda-me, Santa Ana! Eu me tornarei um monge”.
Este evento, muitas vezes referido como a “conversão da tempestade”, marcou um ponto de inflexão crucial na vida de Lutero. Embora não tenha sido uma conversão no sentido de uma mudança repentina de descrença para fé religiosa, como a de São Paulo no caminho de Damasco, representou uma mudança radical de direção em sua vida. Lutero, que até então estava focado em uma carreira secular e promissora, tomou uma decisão impulsiva, motivada pelo medo da morte e por uma prática religiosa comum na época de invocar santos em momentos de perigo.
Após fazer o voto, Lutero passou várias semanas discutindo sua decisão com amigos. Apesar das possíveis objeções e do impacto que essa escolha teria nos planos de seu pai, Lutero sentiu-se compelido a cumprir sua promessa. Em julho de 1505, renunciando a todos os seus bens – incluindo seu alaúde, seus livros e suas vestimentas – Lutero ingressou no Mosteiro Negro dos Agostinianos Observantes em Erfurt.
A entrada no mosteiro representou uma ruptura drástica com a vida anterior de Lutero e o início de sua jornada religiosa e teológica. No mosteiro, ele se dedicou com fervor à vida monástica, engajando-se em orações, jejuns e práticas ascéticas com intensidade. Mais tarde, ele comentaria: “Se algum monge pôde alcançar o céu pela vida monástica, fui eu”. Em menos de dois anos, foi ordenado sacerdote.
A decisão de Lutero em 1505, impulsionada pelo medo durante a tempestade e selada com o ingresso no mosteiro, foi fundamental para moldar o curso da sua vida e da história do cristianismo. Abandonando a trajetória jurídica planejada por seu pai, Lutero mergulhou em um ambiente que, embora marcado por rigor e disciplina, proporcionou o espaço para suas profundas indagações espirituais e para o desenvolvimento de sua teologia da justificação pela fé. Foi dentro dos muros do mosteiro que Lutero iniciou a busca por um Deus gracioso, uma busca que culminaria em sua “descoberta do evangelho” e na subsequente Reforma Protestante. Portanto, 1505 não foi apenas o ano em que Lutero concluiu seus estudos e iniciou uma nova área de estudo; foi o ano em que uma experiência aterradora o levou a fazer um voto que mudaria para sempre o seu caminho e o curso da história da igreja.
