O propósito do movimento reformador de Márcion era fundamentalmente soteriológico, visando reformar a Igreja de sua época segundo o que ele acreditava ser o “evangelho puro” de Paulo, que ele considerava ter sido obscurecido por influências judaizantes e legalistas.
Márcion, originário do Ponto (Sinope), foi para Roma por volta de 139 d.C. e é descrito como um homem de profundo zelo e grande habilidade, atuando com o espírito de um reformador. Inicialmente, ele tentou submeter a Igreja às suas ideias, mas, ao não obter sucesso em sua obra reformista, sentiu-se compelido a organizar seus próprios seguidores em uma igreja separada. Seu objetivo era alcançar a aceitação universal de seus pontos de vista através de ativa propagação.
Frequentemente, Márcion tem sido classificado como gnóstico. No entanto, essa classificação é questionada por estudiosos como Loofs e Harnack. Loofs argumenta que a declaração de Hahn, “Márcion perperam gnosticus vocatur” (Márcion é erroneamente chamado gnóstico), vai ao cerne da questão, pois seu propósito era soteriológico, não cosmológico; a fé, e não o conhecimento, ocupava o lugar central em seu sistema; ele não desenvolveu mitos orientais nem problemas filosóficos gregos, e excluiu interpretações alegóricas.
Harnack também defende que Márcion não deveria ser classificado junto com gnósticos como Basilides e Valentino, apresentando os seguintes motivos:
- Márcion era guiado por interesses puramente soteriológicos, e não metafísicos ou apologéticos.
- Toda a sua ênfase recaía sobre o evangelho puro e sobre a fé, e não sobre o conhecimento.
- Ele não empregava a filosofia como um princípio principal em sua concepção do cristianismo.
- Ele não procurou fundar escolas de filósofos, mas apenas reformar as igrejas, que ele acreditava terem um cristianismo legalista (judaizante) e que negavam a graça livre, em consonância com o autêntico evangelho paulino. Fracassando nessa tentativa, ele formou sua própria igreja.
Seeberg também destaca Márcion para estudo separado, reforçando a ideia de que seu movimento tinha características distintas dos movimentos gnósticos típicos.
Em resumo, o propósito central do movimento reformador de Márcion era purificar a fé cristã, removendo o que ele percebia como acréscimos e desvios judaizantes e legalistas, e restaurar a ênfase na graça livre conforme ele a entendia a partir dos escritos de Paulo. Sua falha em convencer a Igreja estabelecida o levou a formar uma comunidade separada para promover suas ideias.