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A luta teológica inicial de Martinho Lutero foi profundamente enraizada em sua busca angustiante por um Deus gracioso e na sua crescente convicção de sua própria pecaminosidade e incapacidade de alcançar a justiça exigida por Deus. Educado na teologia prevalecente de sua época, Lutero foi ensinado que Deus exigia retidão absoluta, como expresso em passagens bíblicas como “Sede perfeitos, assim como vosso Pai celestial é perfeito”. Ele acreditava que as pessoas precisavam amar a Deus absolutamente e seus vizinhos como a si mesmas, e que deveriam ter a fé inabalável de Abraão.

No entanto, Lutero se viu constantemente atormentado pela sua incapacidade de cumprir essas exigências. Ele praticava diligentemente as disciplinas monásticas, incluindo oração, jejum e penitência, chegando a afirmar: “Se alguém jamais pôde ganhar o céu pela vida de um monge, fui eu”. Apesar de seus esforços, ele não encontrava consolo e era cada vez mais aterrorizado pela ira de Deus. A ordenação e a celebração de sua primeira missa em 1507 foram experiências tão avassaladoras que ele quase deixou cair o pão e o cálice, tomado pelo terror da presença de Cristo no sacramento.

A doutrina da penitência, um sacramento da igreja que envolvia a confissão de pecados, também se tornou uma fonte de angústia para Lutero. Ele chegou à conclusão de que a penitência não era sequer um sacramento, embora tenha continuado a confessar seus pecados diariamente a outra pessoa por grande parte de sua vida. A exigência de contrição perfeita para o perdão o levava ao desespero, pois sua consciência nunca lhe dava certeza de ter se arrependido o suficiente. Ele frequentemente procurava Johann von Staupitz, seu superior, para expressar suas dúvidas, pecados e até mesmo seu ódio a um Deus justo que parecia punir os pecadores. Staupitz, em uma ocasião, chegou a instruí-lo a cometer um pecado real, repreendendo suas “faltas artificiais”.

A virada crucial na luta teológica de Lutero ocorreu durante seu período como professor de Bíblia na Universidade de Wittenberg, entre 1513 e 1519. A ordem de seus superiores, e especialmente de Staupitz, para que ele obtivesse seu doutorado e se tornasse professor de teologia provou ser um momento decisivo. Essa função o obrigou a estudar e aprofundar sua compreensão das Escrituras, especialmente as epístolas de Paulo.

O texto fundamental para a descoberta da doutrina da justificação pela fé foi Romanos 1:17: “Porque no evangelho é revelada a justiça de Deus, uma justiça que do princípio ao fim é pela fé, como está escrito: ‘O justo viverá pela fé’”. Inicialmente, Lutero odiava a frase “a justiça de Deus” porque ele a entendia como a justiça punitiva de Deus, pela qual Ele condena os pecadores injustos. Ele se perguntava quem poderia ser justo o suficiente para “viver pela fé”, pois o texto afirmava que “o justo viverá pela fé”, implicando que a justiça precedia a fé.

Através de intensa meditação “dia e noite” e pela misericórdia de Deus, Lutero chegou a uma nova compreensão da “justiça de Deus”. Ele percebeu que essa justiça não era apenas a justiça pela qual Deus é justo, mas também a justiça que Deus graciosamente imputa aos pecadores que creem em Jesus Cristo. Em vez de ser uma justiça ativa pela qual Deus pune, era uma “justiça passiva”, pela qual o Deus misericordioso justifica os pecadores pela fé.

Essa revelação transformadora teve um impacto profundo em Lutero. Ele descreveu a experiência como se tivesse “inteiramente nascido de novo e entrado no próprio paraíso através de portões que haviam sido escancarados”. O que antes era uma fonte de ódio e terror (“a justiça de Deus”) tornou-se a frase mais doce, a própria porta do paraíso. A partir desse momento, Lutero viu toda a face da Escritura sob uma nova luz.

A doutrina da justificação pela fé, ou sola fide, tornou-se o cerne da teologia de Lutero e o princípio fundamental da Reforma Protestante. Ele a considerava “o resumo de toda a doutrina cristã” e “o artigo pelo qual a igreja se mantém ou cai”. Segundo essa doutrina, a salvação não é alcançada pelas obras da lei, pelas práticas religiosas ou pelos méritos humanos, mas unicamente pela graça de Deus, recebida através da fé em Jesus Cristo e em seu sacrifício expiatório na cruz. Deus aceita a justiça de Cristo, que é estranha à nossa natureza pecaminosa, como nossa própria justiça, mesmo que Ele não remova completamente nossos pecados (“simul justus et peccator” – simultaneamente justo e pecador). Ele não mais os imputa contra nós por causa de Cristo.

Essa “doce troca” entre Cristo e o pecador, na qual Cristo assume o nosso pecado e nos concede a Sua justiça, tornou-se central para a mensagem do Evangelho pregada por Lutero. A fé genuína (fiducia) não era meramente uma concordância intelectual com as doutrinas da igreja, mas uma confiança viva nas promessas de Deus e nos méritos de Cristo, apreendendo nossa aceitação por Deus em Jesus Cristo.

A descoberta da justificação pela fé foi, portanto, o resultado de uma longa e intensa luta teológica, marcada por ansiedade espiritual, estudo diligente das Escrituras e, finalmente, uma revelação graciosa que transformou a vida e o pensamento de Martinho Lutero, dando origem à Reforma que abalou os fundamentos do cristianismo medieval.

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