A principal crítica de Rudolf Bultmann ao “Jesus histórico”, reside na sua convicção de que a figura de Jesus como reconstruída pela pesquisa histórica liberal está tão profundamente obscurecida pela influência formativa da tradição da fé da igreja primitiva que se tornou praticamente impossível conhecer quase nada de sua vida e personalidade.
Bultmann argumentava que a igreja primitiva reinterpretou o significado do Jesus histórico em termos mitológicos. Ele via o Jesus histórico principalmente como um profeta judeu que proclamou o fim apocalíptico iminente do mundo e exortou as pessoas a se prepararem para o juízo. Para Bultmann, Jesus não se considerava o Messias nem o Filho do Homem, embora tivesse uma consciência aguda da realidade de Deus e se entendesse como o portador da Palavra de Deus para os últimos dias.
A morte de Jesus teria sido uma tragédia, cujo significado foi preservado pela fé cristã em sua ressurreição. No entanto, a igreja primitiva reinterpretou a pessoa de Jesus, primeiro em termos da concepção apocalíptica judaica do Filho do Homem e, posteriormente, pela fusão dessa concepção com a do ser divino gnóstico. Todos esses elementos constituem o querigma mitológico, através do qual a igreja primitiva comunicou o significado de Cristo aos seus seguidores.
Para Bultmann, a realidade histórica deve ser compreendida como causalidade histórica imutável, o que significa que qualquer interpretação de atos sobrenaturais (encarnação, nascimento virginal, milagres, ressurreição corpórea) é, por definição, não histórica, mas mitológica. Ele também acreditava que os Evangelhos Sinópticos fornecem uma descrição tão teológica de Jesus que os eventos mencionados não podem ser considerados históricos. O Jesus histórico (historische) é praticamente perdido de vista no Cristo apresentado na narrativa (geschichtliche) resultante da fé da igreja.
Consequentemente, Bultmann via uma descontinuidade fundamental entre o Jesus da História e o Cristo do querigma. Ele acreditava que a fé não pode se fundamentar na segurança da pesquisa histórica, mas deve ser exercida somente com a presença da Palavra de Deus no querigma. O próprio querigma, porém, está expresso em termos mitológicos e precisa ser “desmitificado” para comunicar seu significado existencial.
Em resumo, a principal crítica de Bultmann ao Jesus histórico é que a busca por uma figura puramente histórica é infrutífera devido à natureza transformadora e mitológica da tradição da fé primitiva, tornando esse “Jesus histórico” inacessível e, em última análise, irrelevante para a fé cristã, que se fundamenta no querigma.
Referência: LADD, George Eldon. Teologia do Novo Testamento