A Tradição Judaica de Dois Messias
Você já ouviu falar de reis misteriosos? São pessoas que aparecem nas histórias e que as pessoas esperam para trazer paz ou resolver grandes problemas. Na Bíblia, há um rei especial que foi prometido há muito tempo. Ele é chamado de Messias, e muitas pessoas ainda estão esperando por ele. Mas quem é esse rei? O que ele vai fazer? E por que isso é importante para nós hoje? Vamos descobrir!
A Fascinação Humana por Monarcas Misteriosos
A literatura ao longo dos séculos tem sido povoada por narrativas envolvendo soberanos enigmáticos, cujas trajetórias são marcadas por incertezas e esperanças inusitadas. Um exemplo icônico é Aragorn, o andarilho que ascende ao trono na trilogia O Senhor dos Anéis, escrita por J.R.R. Tolkien. Durante boa parte da obra, sua verdadeira identidade permanece envolta em mistério. Alguns personagens reconhecem imediatamente seu direito ao poder, enquanto outros hesitam até que ele prova seu valor em combate. Esse homem é um governante valente ou simplesmente alguém honrado? Ou talvez ambos?
Esses líderes intrigantes capturaram a imaginação humana por razões compreensíveis. Muitas vezes, as histórias refletem aspirações profundas da realidade. Da mesma forma, a Bíblia apresenta uma figura regencial misteriosa. Algumas das descrições mais detalhadas e enigmáticas desse monarca aparecem no livro profético de Zacarias, escrito há mais de dois milênios e meio. Ao longo do tempo, diversas interpretações surgiram sobre essa figura. Alguns afirmam que ele é o tão aguardado Messias; outros argumentam que não podemos saber nada com certeza; e ainda há quem sugira que ele seja o carpinteiro de Nazaré, sobre quem o mundo inteiro especula.
Por que esse antigo vidente judeu estava obcecado por esse personagem? Será possível entender essa figura aparentemente insondável? O que seu reinado pode significar para nós hoje? Vamos explorar essas questões.
A Profecia de Zacarias Sobre a Chegada do Ungido
Zacarias nasceu durante o exílio babilônico de Israel, mas suas palavras foram registradas após o retorno do povo à terra prometida. Na tradição judaica, ele era membro da Grande Sinagoga, um grupo responsável por preservar cuidadosamente as Escrituras e os costumes hebraicos no período pós-exílio. Seu nome, que significa “O Eterno se lembra”, reflete seu foco tanto no passado quanto nas promessas divinas para o futuro de Israel. De acordo com Zacarias, esse futuro inclui a restauração plena do povo judeu à sua antiga grandeza. Ele tenta manter viva a chama da esperança, que está intimamente ligada a um soberano que ainda está por chegar. Grande parte de seus escritos concentra-se em descrever esse governante vindouro.
Nos dias atuais, muitos aprenderam a desconfiar de seus líderes. Em meio a disputas políticas, como as ocorridas nos Estados Unidos durante anos eleitorais, cinismo, ceticismo e desencanto dominam. No entanto, no fundo, a maioria de nós admite secretamente desejar alguém que realmente tenha nossos melhores interesses em mente, um governante que busque melhorar nossa sorte e possua o poder de fazê-lo. É o “ideal” que todos anseiam.
O que Zacarias nos revela é que tal pessoa existe. Ele é o monarca que está por vir, a materialização de nossas esperanças por um líder que nunca nos decepcionará. Uma vez que essa pessoa foi prometida, vale a pena examinar os detalhes dessa promessa para que possamos reconhecê-la quando ela surgir.
O Messias Filho de José: Um Reinado de Paz
Israel teve sua parcela de governantes decepcionantes, como atestam os livros de Samuel, Reis e Crônicas. Contudo, em Zacarias 9:9-10, o profeta aponta para um soberano vindouro que se destaca dos demais:
“Alegre-se muito, ó filha de Sião! Exulte em alta voz, ó filha de Jerusalém! Eis que seu rei vem até você; ele é justo e traz salvação, humilde e montado num jumento, sim, num potro, cria de jumenta. Ele proclamará paz às nações, e seu domínio se estenderá de mar a mar, e desde o rio até os confins da terra.”
Este não é um governante comum. O profeta instrui o povo de Israel a celebrar, pois o prometido, o enviado do Altíssimo, o monarca tão esperado, está chegando. Essa passagem é interpretada como messiânica, sugerindo que o rei mencionado aqui não é outro senão o Messias, o libertador de Israel.
No judaísmo tradicional, ensina-se que “o Messias é um judeu piedoso e temente ao Criador, tanto um estudioso da Torá quanto um grande líder. Ele será descendente direto do Rei Davi, ungido como o novo soberano judeu. (Na verdade, a palavra hebraica para ‘Messias’, Mashiach, significa ‘ungido’.)”
Esse monarca não vem para guerrear; ele chega com mansidão e humildade. Muitos judeus modernos já não pensam mais na vinda de um Messias, e aqueles que ainda o aguardam frequentemente o imaginam como um conquistador poderoso, quase uma figura de super-herói. Mas em Zacarias 9, a imagem é bem diferente. Ele não vem para lutar; ele vem com suavidade, montado num pequeno burro, em contraste com carruagens ou cavalos majestosos.
Essa passagem oferece uma visão de um rei-Messias, um salvador que oferece gentilmente sua liderança a Israel e ao mundo. Ele é um homem de paz para todas as pessoas. Ele proclamará harmonia a todas as nações, não apenas a Israel.
Em nosso mundo contemporâneo, indivíduos pacíficos podem ganhar prêmios, mas raramente exercem autoridade. Esperamos confiança, até mesmo arrogância, de nossos líderes. Esperamos que eles façam o necessário para manter a ordem. Especialmente em Israel e no Oriente Médio, é difícil conceber alguém alcançando tal poder de maneira pacífica. Um rei que não luta? No entanto, nesta passagem, é exatamente isso que nos é prometido.
Parte 2: O Poderoso Reinado do Messias
Mais adiante em sua obra, Zacarias apresenta outra descrição desse governante vindouro, uma imagem bem distinta daquela vista no capítulo 9. Vamos explorar brevemente o contexto dessa nova declaração:
“Porque reunirei todas as nações contra Jerusalém para a batalha, e a cidade será tomada. Então o Senhor sairá e lutará contra essas nações, como quando luta em um dia de combate. Naquele dia, seus pés estarão sobre o Monte das Oliveiras, que está diante de Jerusalém, a leste; e o monte será dividido ao meio, de leste a oeste, formando um grande vale. Metade do monte se moverá para o norte, e a outra metade para o sul.” (Zacarias 14:2-4)
Essa visão é semelhante a uma cena épica de batalha em um filme repleto de tragédia, derramamento de sangue e triunfo. Nos versículos seguintes, lemos:
“E naquele dia fluirão águas vivas de Jerusalém, metade delas para o mar oriental e a outra metade para o mar ocidental; isso ocorrerá tanto no verão quanto no inverno. E o Senhor será rei sobre toda a terra; naquele dia, o Senhor será o único, e seu nome será o único.” (Zacarias 14:8-9)
Os capítulos 9 e 14 são passagens centrais de Zacarias que tratam desse monarca que governará sobre toda a terra. No capítulo 9, ele é humilde, mas no capítulo 14, ele é uma força poderosa. Nesta última imagem, o rei é um conquistador, vindo com ira para julgar os inimigos de Israel. Essa é talvez uma representação mais tradicional do Messias: um herói poderoso que luta em nosso nome.
Essa passagem sugere que esse rei-Messias não é outro senão o próprio Criador, intervindo para lutar em favor de seu povo. Assim, somos apresentados a uma imagem dramaticamente diferente do soberano aqui do que aquela vista anteriormente em Zacarias 9.
Duas Descrições, Dois Messias?
A questão que surge é: esse governante que reinará sobre toda a terra virá suavemente, montado em um jumento, em paz, ou com grande ira, pronto para a batalha? Zacarias estaria se contradizendo? Esse é um grande enigma também para os estudiosos judaicos. No entanto, essa não é a única passagem nas Escrituras onde encontramos imagens aparentemente divergentes do Messias. Por exemplo, Miquéias 5 nos diz que ele nasceu em Belém, a cidade de Davi. Mas em Daniel 7, o profeta afirma que ele chegará cavalgando nas nuvens do céu. Será que ele virá em esplendor real e reinará para sempre, como Isaías 9 nos diz? Ele é o servo sofredor de Isaías 53 ou o rei majestoso retratado no Salmo 2?
Para conciliar essas duas imagens aparentemente opostas do Messias, alguns rabinos sugeriram que deveria haver dois messias: o Messias filho de José, que viria para sofrer, e o Messias filho de Davi, que viria como um rei conquistador.
Outra tradição judaica explica os dois retratos contrastantes do Messias da seguinte forma: “Se o povo de Israel for justo, o Messias virá nas nuvens do céu. Se eles não forem justos, ele virá como um pobre montado em um jumento” (Sanhedrin 98a).
Tais explicações são necessárias? Ou seria possível que uma única pessoa pudesse “se encaixar” em ambas as imagens, sendo tanto um rei da paz quanto um rei do poder, um servo humilde e um conquistador? Em caso afirmativo, como seria essa figura extraordinária?
O Único Messias: Pacífico e Poderoso
Existe ainda outro conceito judaico sobre as duas figuras do rei-Messias que se alinha perfeitamente com o retrato visto em Zacarias e em outras partes das Escrituras Hebraicas. Essa visão, na verdade, é anterior às outras mencionadas. Trata-se da posição apresentada no Novo Testamento.
Os escritores do Novo Testamento eram judeus do primeiro século que acreditavam que as profecias das Escrituras Hebraicas descreviam um único Messias, um grande rei que viria duas vezes: primeiro como servo e depois como conquistador. Eles acreditavam que Yeshua (Jesus) era o cumprimento de ambas as expectativas.
Yeshua não era um monarca típico. Sua vida foi marcada pela humildade. Ele era um homem de gentileza e paz. Contudo, a paz que ele oferecia diferia do que muitos esperavam; era uma paz que brotava de soluções espirituais profundas que ele proporcionava àqueles que o seguiam.
“Deixo-vos a paz; a minha paz vos dou; não como o mundo dá, eu a dou a vós. Não se perturbe o vosso coração, nem tenhais medo.” (João 14:27)
“Porque o Filho do Homem veio buscar e salvar o que estava perdido.” (Lucas 19:10)
Perto do fim de sua vida terrena, Yeshua instruiu seus discípulos a pegarem um jumento e seu potro. Pouco antes da Páscoa, ele entrou em Jerusalém montado no jumentinho, cumprindo assim a profecia de Zacarias feita mais de 500 anos antes. E o povo aclamou e celebrou:
“Hosana ao Filho de Davi! Bendito o que vem em nome do Senhor! Hosana nas alturas!” (Mateus 21:9)
As pessoas gritavam: “Salve-nos!” Eles entenderam que seu rei havia chegado e que ele estava oferecendo uma salvação poderosa e transformadora para aqueles que o aceitassem. Na verdade, o nome “Yeshua” significa “Deus salva”.
Embora Yeshua não tenha inaugurado uma era de “paz na terra” como muitos esperavam, ele ofereceu paz com o Criador a todos os que confiassem nele e na expiação pelos pecados que ele realizou por meio de sua morte e ressurreição.
Yeshua era um homem de paz, mas também de força. Ele corajosamente se declarou o Messias, o Filho do Altíssimo, embora soubesse que seria crucificado por essas afirmações.
Isso porque Yeshua sabia que possuía o poder da vida indestrutível. Embora devesse morrer, ele sabia que ressuscitaria. Considere suas palavras para um público judeu:
“Eu dou minha vida para que possa retomá-la. Ninguém a tirou de mim, mas eu a dou por minha própria vontade. Tenho autoridade para entregá-la e tenho autoridade para recuperá-la.” (João 10:17-18)
Era uma afirmação difícil de acreditar, e ainda assim muitos testemunharam a ressurreição de Yeshua e estavam dispostos a morrer proclamando a verdade de sua vida. Hoje, milhões de pessoas em todo o mundo aguardam seu retorno.
Parte 3: O Retorno do Rei e o Julgamento Final
Agora, voltemos à questão central: como será o retorno desse governante misterioso? Zacarias oferece uma visão impressionante em seu capítulo 14, que descreve um dia de julgamento divino, mas também um tempo de libertação para aqueles que reconhecem sua autoridade:
“Então, os sobreviventes de todas as nações que atacaram Jerusalém subirão de ano em ano para adorar o Rei, o Senhor dos Exércitos.” (Zacarias 14:16)
Essa passagem sugere que o rei virá inicialmente para oferecer sua liderança, dando às pessoas a oportunidade de aceitá-lo voluntariamente. No entanto, se elas se recusarem, ele retornará com firmeza para reivindicar o que lhe pertence por direito. Essa ideia é semelhante à forma como pais lidam com seus filhos. Primeiro, os pais esperam que os filhos obedeçam por conta própria, tratando-os com gentileza. Quando isso falha, eles impõem sua vontade com determinação. É exatamente essa dinâmica que Zacarias parece retratar nesse monarca vindouro.
O Messias que Veio e Voltará
O livro de Zacarias não afirma explicitamente que o Messias virá duas vezes. No entanto, ao analisarmos as imagens contrastantes apresentadas — um homem de paz em sua primeira vinda e um conquistador poderoso em sua segunda —, fica evidente que essas descrições podem ser reconciliadas em uma única figura. Isso nos leva a refletir: será necessário acreditar em dois messias distintos? Ou é possível que esse líder tenha vivido entre nós há dois milênios e retorne para assumir seu trono definitivo?
Os escritores do Novo Testamento afirmam que Yeshua (Jesus) foi a manifestação histórica dessa promessa. Ele veio primeiro como um servo humilde, oferecendo salvação espiritual e paz interior. Um dia, ele voltará como o soberano universal, estabelecendo seu reinado sobre toda a terra. Essa interpretação encontra eco nas profecias messiânicas das Escrituras Hebraicas, que descrevem tanto o sofrimento quanto a glória do Messias.
A Esperança de um Mundo Restaurado
No terceiro e último livro de O Senhor dos Anéis, após uma batalha épica e exaustiva, Aragorn finalmente assume seu lugar legítimo como rei. J.R.R. Tolkien captura esse momento com uma cena emocionante, quando um dos hobbits encontra Gandalf, o mago que todos pensavam estar morto:
“Gandalf! Eu pensei que você estava morto! Mas então eu pensei que eu mesmo estava morto. Tudo o que é triste vai se tornar realidade? O que aconteceu com o mundo?” “Uma grande Sombra partiu”, disse Gandalf, e então ele riu, e o som era como música, ou como água em uma terra ressecada. Caiu em seus ouvidos como o eco de todas as alegrias que ele já conhecera.
Essa passagem literária reflete o anseio profundo da alma humana por um tempo em que tudo o que está errado será corrigido. Contudo, para realizar tal transformação, é necessária uma figura extraordinária — alguém como o descrito nas profecias messiânicas das Escrituras Hebraicas e nos relatos da vida de Yeshua.
Cumprindo as Expectativas Messiânicas
Para aqueles que creem que Yeshua é o Messias, suas ações durante sua primeira vinda cumprem muitas dessas expectativas. Ele veio como um servo sofredor, oferecendo expiação pelos pecados e reconciliação com o Criador. Seu sacrifício na cruz e sua subsequente ressurreição são vistas como provas de sua identidade messiânica. Com base nesses eventos, seus seguidores estão confiantes de que ele retornará para completar sua missão.
Esse retorno será marcado por justiça e restauração global. Os que rejeitaram sua oferta de paz em sua primeira vinda enfrentarão as consequências de sua decisão. Já aqueles que o receberam como seu rei experimentarão a plenitude de seu reinado de paz e prosperidade.
A Pergunta Final
A pergunta que permanece é pessoal e intransferível: você está preparado para recebê-lo como seu rei? Você o aceitará agora, enquanto ele oferece sua liderança com gentileza, ou esperará até que ele retorne com poder indiscutível? A escolha é sua.
As palavras de Zacarias ecoam através dos séculos, convidando-nos a considerar cuidadosamente quem é esse monarca misterioso e qual papel ele desempenhará em nossas vidas. Ele é o rei que veio, que voltará e cujo reinado nunca terá fim.
Referências:
- “No judaísmo, quem é o Messias?”, aish.com, 10 de fevereiro de 2024, https://www.aish.com/jl/li/m/48924282.html.
- J.R.R. Tolkien, O Retorno do Rei: Sendo a Terceira Parte do Senhor dos Anéis, 246.
- Kevin Willians. The Jewish Tradition of Two Messiahs. RBC Ministries. Grand Rapids, Michigan.