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A Complexidade entre Lutero e os Judeus

O estudo da relação entre Martinho Lutero e o povo judeu é complexo, demandando objetividade e sensibilidade. É essencial analisar esse tema considerando o histórico de perseguições e sofrimento judaico. O objetivo é apresentar uma avaliação o mais precisa possível, reconhecendo o impacto das ações cristãs na história do povo judeu.

O Contexto Histórico e a Posição da IECLB

O povo judeu enfrentou séculos de preconceito e violência, muitas vezes infligidos por cristãos. A Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), com forte herança alemã, reconhece a importância de uma análise autocrítica e de um posicionamento contra o antissemitismo. Em 1992, o XVIII Concílio Geral da IECLB condenou manifestações racistas, incluindo o antissemitismo. A IECLB, através de sua declaração “Deus não é racista”, reconhece a existência de racismo no Brasil contra povos indígenas, negros e judeus, enfatizando que a diversidade é uma marca da criação divina. A declaração também ressalta o papel hediondo do antissemitismo na história, especialmente no Holocausto, e convoca as igrejas e a sociedade a combater o racismo. Cristãos e judeus estão unidos pela fé no mesmo Deus.

As Mudanças no Pensamento de Lutero

Os escritos de Lutero sobre os judeus variam significativamente ao longo do tempo. Inicialmente, em 1523, em “Que Jesus nasceu como judeu”, Lutero demonstrava simpatia pelos judeus. No entanto, em 1543, em “Acerca dos judeus e de suas mentiras”, ele expressou forte antipatia. Essa mudança drástica é um ponto chave para a análise.

Fases do Pensamento de Lutero:

  • Simpatia Inicial (1523): Lutero critica o tratamento dado aos judeus por líderes religiosos cristãos, defendendo que os judeus não foram adequadamente ensinados sobre o cristianismo. Ele acreditava que um tratamento amigável e o ensino das Escrituras poderiam levar à conversão dos judeus ao cristianismo, retornando à fé de seus pais. Lutero até reconhece a proximidade sanguínea dos judeus com Cristo. Ele defendia que os judeus fossem tratados com amor cristão e acolhidos para que pudessem conhecer a doutrina cristã.
  • Antipatia Posterior (1543): Lutero muda seu tom, expressando desapontamento com a persistência do judaísmo e defendendo a necessidade de os cristãos se protegerem da influência judaica. Ele acreditava que os judeus se consideravam o povo de Deus por meio de obras e não por graça, e que eles erravam ao negar a vinda do Messias. Lutero sugere medidas para lidar com os judeus, incluindo a destruição de sinagogas, a apreensão de livros religiosos, a proibição de cultos públicos e a restrição de sua liberdade. Ele também propõe que os judeus fossem expulsos do território cristão. Lutero alega que essas ações visam salvar as almas dos cristãos, não como vingança, mas como um ato de “misericórdia afiada” para com os judeus.

Repercussões e Reflexões:

O pensamento de Lutero foi usado pelo nacional-socialismo como justificativa para o antissemitismo. É crucial não atribuir diretamente a Lutero as atrocidades cometidas no século XX. A história é complexa, com múltiplos fatores. É igualmente importante não desculpar os posicionamentos equivocados de Lutero, mesmo que ele seja importante por outros aspectos. Lutero faz parte da pré-história das atrocidades contra o povo judeu.

A mudança no pensamento de Lutero pode ser explicada pela sua decepção com a não conversão dos judeus. Sua visão teológica de que os judeus rejeitaram o Messias influenciou suas ações, assim como a consolidação da Reforma e do princípio da territorialidade da igreja. Apesar da dureza de suas observações, o antissemitismo de Lutero é baseado em questões religiosas e não raciais.

As propostas de Lutero de 1543 são inaceitáveis e antievangélicas, e devem ser denunciadas. Os herdeiros da Reforma devem pedir perdão às vítimas. Embora o nazismo tenha se apropriado de Lutero, ele radicalizou as propostas de Lutero, transformando a premissa religiosa em racial, e levando o extermínio dos judeus a níveis que Lutero não defendia, embora este nunca tenha negado a humanidade dos judeus, o que é uma diferença importante. A destruição de livros e proibição da prática religiosa feriram a alma judaica.

Conclusão:

É fundamental reconhecer os erros de Lutero no tratamento dos judeus e abandonar a noção de que “o povo judeu rejeitou o Messias”. Os cristãos devem redescobrir a importância de Israel como povo eleito de Deus e buscar o reencontro com os judeus através da Escritura. É essencial ter respeito à alteridade religiosa.

Resenha baseada no artigo: “Lutero — Defensor dos Judeus ou Anti-Semita?: Exercícios a partir de Textos de Lutero” de Walter Altmann

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