Inácio de Antioquia, o “Portador de Deus”: Vida e Legado.
Inácio de Antioquia (50 à 110 d.C.) foi um mártir cristão dos primórdios e uma figura importante na igreja cristã primitiva. Reconhecido como um “pai apostólico”, Inácio teve contato direto com os apóstolos de Cristo e foi o segundo ou terceiro bispo cristão em Antioquia, na Síria. Sua fama reside nas cartas que escreveu durante a jornada de Antioquia a Roma, culminando em sua execução na arena romana.
Fatos Rápidos: Inácio de Antioquia
- Também Conhecido Como: Teóforo, “Portador de Deus”
- Nascimento: entre 35-50 d.C., na Ásia Menor
- Morte: cerca de 110 d.C. em Roma
- Obras Publicadas: Epístola aos Cristãos de Éfeso (Pros Ephesious); de Magnésia (Magnesieusin); de Trales (Trallianois); de Roma (Pros Romaious); de Filadélfia (Philadelpheusin); de Esmirna (Smyrnaiois); e a Policarpo (Pros Polykarpon).
- Realizações Notáveis: Primeiro bispo missionário a reorganizar a igreja na Ásia Menor, estabelecendo as bases da teologia moderna da igreja.
- Citação Famosa: (ao saber de sua sentença de morte):
” 1 Escrevo a todas as Igrejas e insisto junto a todas que morro de boa vontade por Deus, se vós não mo impedirdes. Suplico-vos, não vos transformeis em benevolência inoportuna para mim. Deixai-me ser comida para as feras, pelas quais me é possível encontrar Deus. Sou trigo de Deus e sou moído pelos dentes das feras, para encontrar-me como pão puro de Cristo. 2 Acariciai antes as feras, para que se tornem meu túmulo e não deixem sobrar nada de meu corpo, para que na minha morte não me torne pêso para ninguém. Então de fato serei discípulo de Jesus Cristo, quando o mundo nem mais vir meu corpo. Implorai a Cristo em meu favor, para que por êstes instrumentos me faça vítima de Deus. 3 Não é como Pedro e Paulo que vos ordeno. Êles eram apóstolos, eu um condenado; aquêles, livres, e eu até agora escravo. Mas, quando tiver padecido, tornar-me-ei alforriado de Jesus Cristo, e ressuscitarei n’Êle, livre. E agora, prêso, aprendo a nada desejar.” (Inácio de Antioquia, Carta aos Romanos, cap. 4)
Primeiros Anos de Vida
Pouco se sabe sobre seus primeiros anos, mas Inácio provavelmente nasceu entre 30 e 50 d.C., provavelmente em algum lugar da Ásia Menor. Seu nome de nascimento era Inácio, mas ele recebeu o nome “Teóforo” (“Portador de Deus”) no batismo. O apóstolo Pedro fundou a igreja em Antioquia e (possivelmente) nomeou Inácio para o cargo; Pedro foi o primeiro bispo, e, de acordo com o historiador cristão Eusébio (263–239 d.C.), Pedro nomeou o segundo, Evódio. Inácio provavelmente ocupou o bispado após a morte de Evódio em 66 d.C., até sua própria morte cerca de quarenta anos depois.
Bispo de Antioquia
Entre 105–106, o imperador romano Trajano (53–117 d.C.) travou uma batalha bem-sucedida contra os Dácios e Escitas. Em gratidão aos seus deuses pela vitória, Trajano intensificou uma grande campanha contra a comunidade cristã na Ásia Menor, especialmente contra aqueles cristãos que se recusavam a sacrificar aos deuses. Enquanto estava em Antioquia, Trajano interrogou o Bispo Inácio, que confessou sua firme crença, e assim Trajano o condenou à morte.
Por sua importância na região, Trajano designou 10 soldados para acorrentá-lo e escoltá-lo por terra e mar até Roma. Chegando lá, Inácio seria despedaçado por animais selvagens, como parte de um festival que durava 123 dias. A reação de Inácio foi um choro de alegria: “Agradeço a você, ó Senhor, por ter se dignado me honrar com um amor perfeito por Você e por ter me feito ser preso com correntes de ferro, como o Apóstolo Paulo.”
Jornada de Inácio para Roma
Os detalhes da jornada de Inácio de Antioquia a Roma são encontrados em “Martyrium Ignatii” (“O Martírio de Inácio”), um documento que os estudiosos acreditam ter algumas inconsistências. A cópia mais antiga existente data do século X, e há evidências de que foi “interpolada” ou fortemente embellished.
Após ser preso em Antioquia, Inácio e sua equipe de guardas (ele os chamou de “leopardos” em suas cartas) viajaram para Seleucia, onde embarcaram em um navio e desembarcaram em Cilícia ou Pamphylia. De lá, seguiram a pé para Filadélfia e depois para Esmirna, onde passaram um tempo prolongado.
Escrevendo as Cartas
Enquanto estavam em Esmirna, Inácio visitou Policarpo (60–155 d.C.), um velho amigo que agora era o Bispo de Esmirna. Delegados das igrejas de Éfeso, Magnésia e Tralles foram ver Inácio, e foi em Esmirna que Inácio começou a escrever sua série de epístolas — cartas para as igrejas cristãs em diferentes cidades. Em Esmirna, ele escreveu cartas aos Efésios, aos Magnésios e aos Tralianos, exortando-os a obedecerem aos seus bispos, evitarem heresias e manterem a fé. Ele também escreveu para a igreja em Roma, suplicando que não intercedessem por ele.
O grupo deixou Esmirna de barco para Troas, onde Inácio escreveu mais três epístolas, destinadas aos Filadelfianos, aos Esmirniotas e, finalmente, uma a Policarpo. Ele queria se dirigir às multidões em Troas, mas os guardas estavam impacientes para chegar a Roma, onde os festivais de 123 dias planejados por Trajano estavam chegando ao fim. Eles deixaram Troas, foram a pé para Epiro e depois de navio atravessaram o Adriático. Inácio queria parar em Puteoli, onde o apóstolo Paulo de Tarso (falecido em 67 d.C.) havia morado, mas uma tempestade se levantou e tiveram que seguir para Roma.
Morte de Inácio
Ao chegarem a Roma, Inácio foi levado à arena romana no momento final dos festivais, e lá ele foi jogado na arena onde foi despedaçado por bestas. De acordo com o “Martyrium Ignatii”, antes de morrer, Inácio invocou cada vez mais o nome de Jesus, explicando aos torturadores que ele era “o Portador de Deus” e que o nome de Jesus estava escrito em seu coração. Quando seu coração foi cortado, conta a história, todos os pedaços tinham o nome de Jesus Cristo escrito neles em letras douradas.
Os pedaços do corpo quebrado de Inácio foram coletados, envolvidos em linho e levados de volta a Antioquia pelo diácono da Cilícia, Filo, e por um cristão sírio chamado Reus Agátopo: (esses dois homens geralmente são creditados por escreverem a versão original do “Martyrium Ignatii”). Ele foi enterrado fora dos portões da cidade; seu corpo foi transferido para o Templo da Fortuna por Teodósio II (401–450); e finalmente transferido novamente para a Basílica de São Clemente em Roma em 637, onde dizem que permanece até hoje.
Epístolas de Inácio
Existem sete cartas amplamente aceitas que Inácio escreveu a caminho de ser executado. Provavelmente foram originalmente escritas em grego, mas todas, exceto uma, dos códices sobreviventes estão em latim ou copta. Na Idade Média, o número das Epístolas de Inácio cresceu para 13, mas essas seis adicionais agora são consideradas escritas por outra pessoa, talvez tão cedo quanto o século VI d.C., mas não por Inácio.
As cartas aceitas são:
- Epístola aos Cristãos de Éfeso (Pros Ephesious);
- Epístola aos Cristãos de Magnésia (Magnesieusin);
- Epístola aos Cristãos de Tralles (Trallianois);
- Epístola aos Cristãos de Roma (Pros Romaious);
- Epístola aos Cristãos de Filadélfia (Philadelpheusin);
- Epístola aos Cristãos de Esmirna (Smyrnaiois); e
- Epístola a Policarpo (Pros Polykarpon).
Conteúdo das Cartas
O conteúdo dessas Epístolas de Inácio é de enorme importância para os estudiosos religiosos. As cópias sobreviventes foram intensivamente estudadas pela luz que lançam sobre a igreja cristã primitiva na Ásia Menor e pela teologia pessoal de Inácio em seu contexto histórico. Revelam que, no século II d.C., o cristianismo estava passando por uma luta interna entre seus adeptos, alguns dos quais seguiam crenças e ritos pagãos e gnósticos que Inácio considerava heresia.
Havia novos cristãos que queriam acreditar tanto em Moisés quanto em Cristo (chamados judaizantes). Havia outros, como os docetistas, que acreditavam que Cristo nunca foi humano, mas sim um ser divino. Eles diziam que ele tinha um corpo feito de uma substância superior e usava decepções visuais para parecer que ele nasceu de uma humana e sofreu e morreu. Inácio argumentava que se alguém guardasse o sábado judaico (no sábado), em vez do “dia do Senhor” (no domingo), estavam negando que Cristo morreu.
Legado
Há várias coisas curiosas sobre as cartas, que ainda são consideradas autênticas pela maioria dos estudiosos. Suas cartas são as primeiras referências conhecidas em grego ou latim às palavras “cristianismo”, “católico” e “leopardo”. Como bispo de Antioquia, ele não era importante o suficiente para dizer às igrejas de Magnésia e Filadélfia o que deveriam fazer. Se Trajano quisesse, e assumindo que ele foi quem condenou Inácio à morte, poderia tê-lo executado em Antioquia. Inácio instou fortemente a igreja em Roma a não tentar impedi-lo de ser martirizado; e embora seus captores o mantivessem acorrentado, eles demoraram para levá-lo a Roma, permitindo o acesso a ele por outros bispos e muitos representantes de outras igrejas cristãs ao longo do caminho.
É possível que a guarda romana tenha pensado que dar às pessoas acesso a Inácio era bom para advertir outros sobre os perigos de praticar o cristianismo; eles podem ter permanecido tanto tempo em Esmirna para acertar o cronograma da execução. Mas durante essa viagem, Inácio reconheceu claramente que sua identificação como mártir (embora aparentemente nunca tenha usado essa palavra) tornava suas cartas significativas: ele se tornou um missionário credenciado.
A importância das epístolas de Inácio é que elas documentam o trabalho e a teologia do primeiro bispo missionário a reordenar a igreja, estabelecendo muitos dos aspectos doutrinários católicos que ainda são usados hoje na teologia cristã. Suas cartas refletem uma preocupação profunda com a unidade da fé e a autoridade dos bispos, destacando a importância da obediência à liderança eclesiástica para preservar a verdadeira doutrina.
Teologia e Combate às Heresias
Inácio de Antioquia desempenhou um papel crucial na defesa da ortodoxia cristã contra várias formas de heresia que surgiam naquele período. Suas epístolas abordam questões teológicas específicas, como a natureza de Cristo, a encarnação e a ressurreição. Ele enfatiza a realidade da encarnação, rejeitando as visões docéticas que negavam a verdadeira humanidade de Cristo. Inácio afirma que Cristo era totalmente divino e totalmente humano, uma doutrina fundamental para a cristologia ortodoxa.
Além disso, Inácio destaca a importância da Eucaristia como o “pão do céu” e a “medicina da imortalidade”. Suas cartas também tratam da autoridade dos bispos nas igrejas locais, estabelecendo uma estrutura hierárquica que influenciou o desenvolvimento posterior da organização eclesiástica.
Seu Martírio
O martírio tornou-se um tema central nas cartas de Inácio, refletindo sua disposição em dar a vida por sua fé. Ele via sua iminente execução como uma oportunidade para testemunhar a Cristo de maneira suprema. Seu desejo de enfrentar a morte com coragem e alegria demonstra uma profunda convicção na ressurreição e na vida eterna.
Inácio utiliza linguagem intensa ao descrever seu martírio como um “sacrifício” e um “aperitivo de Deus”. Sua atitude destemida perante a morte inspirou gerações posteriores de cristãos a enfrentarem perseguições com resolução e fé inabalável.
Relevância Contemporânea
As epístolas de Inácio continuam a ser estudadas e citadas na teologia cristã contemporânea. Sua ênfase na unidade da igreja, na autoridade dos bispos e na defesa da ortodoxia teológica ressoa em debates teológicos e eclesiásticos atuais.
Além disso, a vida e o martírio de Inácio inspiram muitos cristãos a permanecerem firmes em sua fé, mesmo diante de desafios e perseguições. Sua coragem e devoção à causa cristã deixaram um legado duradouro que continua a influenciar a compreensão e a prática do cristianismo.
Conclusão
A vida de Inácio de Antioquia, marcada por seu papel como bispo, seu zelo pela ortodoxia teológica e seu martírio corajoso, é uma parte significativa da história da igreja primitiva. Suas epístolas oferecem uma visão valiosa do contexto teológico e eclesiástico do segundo século, ao mesmo tempo em que proporcionam orientação para os desafios contemporâneos enfrentados pelos cristãos.
O legado de Inácio continua a impactar a compreensão da fé cristã, inspirando gerações a permanecerem fiéis aos princípios fundamentais do cristianismo. Sua disposição em sacrificar-se pelo Evangelho destaca a importância da fé inabalável e da busca pela verdadeira unidade na comunidade cristã.
Fontes:
- Cartas de Santo Inácio de Antioquia, por Santo Inácio de Antioquia (Autor), Dom Paulo Evaristo Arns (Tradutor), Editora Vozes.
- Patrística – Clemente Romano | Inácio de Antioquia | Policarpo de Esmirna | O Pastor de Hermas | Carta de Barnabé | Pápias | Didaqué – Vol. 1 (Volume 1), Editora Paulus.
- Ignácio de Antioquia: Episódios Históricos do Cristianismo Primitivo: por Geraldo Lemos Neto (Autor), Theophorus (Autor).
Eu sou o Diego Gonçalves, teólogo e evangelista, e este é o meu blog www.diegon.org – “O Diário de um Jondô”. Aqui, reflexões teológicas diárias te esperam!
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