A formação da Bíblia é o processo histórico e teológico pelo qual os 66 livros que a compõem — 39 do Antigo Testamento e 27 do Novo Testamento — foram reconhecidos pela Igreja como inspirados por Deus, e reunidos em um cânon, isto é, uma coleção autorizada de escritos sagrados.
A Bíblia não foi inventada por homens ou por concílios, mas foi reconhecida como Palavra de Deus pela Igreja à medida que os livros foram sendo escritos, inspirados, preservados e autenticados. Vamos entender esse processo.
1. O que é o “cânon” da Bíblia?
A palavra cânon vem do grego kanón, que significa “regra”, “norma” ou “padrão”. O cânon bíblico é a lista dos livros que são reconhecidos como inspirados por Deus e, portanto, normativos para a fé e a vida da Igreja.
A formação do cânon não foi um ato único, mas um processo providencial e guiado por Deus, no qual a Igreja reconheceu — e não decidiu arbitrariamente — os livros que carregavam a autoridade divina.
2. Formação do Antigo Testamento
O Antigo Testamento foi escrito entre cerca de 1.400 a.C. e 400 a.C., por profetas e servos de Deus dentro do contexto da aliança com Israel.
- Os livros foram reconhecidos como Escritura já no período do Antigo Testamento.
- Divididos pelos judeus em três partes: Lei (Torá), Profetas e Escritos.
- Jesus e os apóstolos usaram e confirmaram esse cânon (Lc 24.44; Mt 5.17–18).
“A Lei, os Profetas e os Salmos” (Lc 24.44) — expressão que indica o cânon hebraico completo.
Os judeus jamais reconheceram os livros apócrifos (como Tobias, Judite, Sabedoria, etc.) como parte da Escritura. Esses livros surgiram no período intertestamentário e foram incluídos apenas na versão grega da Septuaginta, não no cânon hebraico.
3. Formação do Novo Testamento
O Novo Testamento foi escrito entre cerca de 45 e 100 d.C., por apóstolos e homens próximos a eles. Desde o início, os escritos apostólicos foram recebidos pelas igrejas como Palavra de Deus, com autoridade igual ao Antigo Testamento.
“Considerai como também o nosso amado irmão Paulo vos escreveu […] como também em todas as suas epístolas […] como as demais Escrituras” (2Pe 3.15–16)
Critérios para reconhecer um livro do Novo Testamento:
- Autor apostólico ou próximo a um apóstolo (ex: Lucas com Paulo, Marcos com Pedro);
- Doutrina ortodoxa e coerente com o evangelho de Cristo;
- Uso contínuo e universal pelas igrejas cristãs primitivas;
- Testemunho do Espírito Santo na Igreja, conduzindo-a à verdade.
Embora concílios posteriores tenham confirmado o cânon (como o de Hipona em 393 e o de Cartago em 397), a Igreja já reconhecia amplamente os 27 livros como inspirados muito antes disso.
4. Os livros apócrifos (ou deuterocanônicos)
A Igreja Católica Romana inclui alguns livros extras no Antigo Testamento (Tobias, Judite, Sabedoria, etc.), chamados deuterocanônicos. No entanto:
- Esses livros não foram reconhecidos pelos judeus;
- Não foram citados por Jesus nem pelos apóstolos como Escritura;
- Contêm erros históricos e doutrinários;
- Foram formalmente adicionados pela Igreja Católica apenas no Concílio de Trento (1546), em reação à Reforma Protestante.
A tradição reformada e evangélica, portanto, reconhece apenas os 66 livros como inspirados e canônicos.
5. Preservação e transmissão
- Os manuscritos bíblicos foram copiados cuidadosamente ao longo dos séculos;
- Descobertas arqueológicas (como os Manuscritos do Mar Morto) confirmam a fidelidade do texto preservado;
- A Bíblia foi traduzida para diversas línguas, sendo hoje o livro mais difundido da história da humanidade.
“Seca-se a erva, e cai a sua flor, mas a palavra do nosso Deus permanece eternamente” (Is 40.8)
Conclusão
A Bíblia foi formada:
- Pela inspiração de Deus a homens santos;
- Pela ação providencial de Deus na história da redenção;
- Pelo reconhecimento da Igreja guiada pelo Espírito Santo.
Assim, os 66 livros da Bíblia não são uma seleção humana arbitrária, mas a coleção divinamente revelada, reconhecida e preservada, que constitui a única e suficiente regra de fé e prática para o povo de Deus.