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A doutrina da Igreja e dos sacramentos sofreram desenvolvimentos significativos nos períodos que antecederam e durante a Reforma Protestante.

A Doutrina da Igreja

Desenvolvimento Antes da Reforma:

Nos primórdios da era cristã, conforme os escritos dos Pais Apostólicos e apologetas, a Igreja era geralmente apresentada como a communio sanctorum, o povo de Deus escolhido para Sua possessão. Embora mencionada como o verdadeiro Israel, a relação com sua preparação histórica em Israel nem sempre era clara.

A partir do século II d.C., o surgimento de heresias tornou necessário designar características externas para identificar a verdadeira Igreja Católica. Isso levou à concepção da Igreja como uma instituição externa, governada por um bispo considerado o sucessor direto dos apóstolos e detentor da verdadeira tradição. Prevaleceu a ideia de que a Igreja universal era o prius histórico de todas as igrejas locais, que eram vistas como partes da Igreja universal com o episcopado, sendo consideradas verdadeiras igrejas enquanto leais e sujeitas à Igreja Católica como um todo.

Movimentos como o montanismo e outras seitas surgiram, muitas vezes buscando uma pureza maior na Igreja ou professando novas revelações. Em contraste, os Pais da Igreja enfatizavam cada vez mais a instituição episcopal. Cipriano, discípulo de Tertuliano, foi o primeiro a desenvolver a doutrina da Igreja episcopal, considerando os bispos como os sucessores dos apóstolos e a Igreja fundada sobre eles (Mateus 16:18). O bispo era visto como o governante absoluto da igreja, responsável por determinar a membresia, restaurar à comunhão, dirigir o culto e oferecer sacrifícios como um sacerdote de Deus. Cipriano também ensinou um sacerdócio real do clero e a unidade da igreja fundamentada na unidade dos bispos. Ele sustentava que não havia salvação fora da Igreja e, logicamente, negava a validade do batismo administrado por hereges.

Na Idade Média, embora os teólogos não tenham se aprofundado muito na doutrina da Igreja, a própria Igreja se transformou numa hierarquia absoluta e compactamente organizada. As ideias de Cipriano e os ensinamentos de Agostinho sobre a Igreja como organização externa foram sementes para esse desenvolvimento, enquanto a ideia da Igreja como communio sanctorum perdeu proeminência. Duas ideias se tornaram centrais: o primado da igreja católica romana e a identidade entre a Igreja e o reino de Deus. A noção de que a igreja católica romana era o reino de Deus na terra, com o bispado romano como um reino terrestre, foi reforçada por falsificações como a “Doação de Constantino” e as “Pseudo-Decretais”. Essa identificação levou a consequências significativas, como a subordinação de todas as atividades cristãs ao serviço da Igreja, a ênfase nas ordenanças externas como meio de salvação e a secularização prática da Igreja, com os papas buscando poder político sobre os reinos do mundo.

A concepção católica-romana da Igreja se consolidou oficialmente após a Reforma, embora já estivesse presente antes. O Concílio de Trento não definiu a Igreja precisamente, mas enfatizou sua autoridade e papel como guardiã da verdade revelada. A Igreja era vista como tendo quatro marcas principais: una, santa, católica e apostólica. Cristo distribuía a plenitude de graças e bênçãos exclusivamente através do clero, tornando a organização da Igreja logicamente anterior ao organismo, e a Igreja visível anterior à invisível. A Igreja era considerada a mater fidelium antes de ser uma coetus fidelium, e a ecclesia docens (clero) era superior à ecclesia audiens (leigos). A Igreja era exclusivamente uma entidade salvífica, a arca da salvação, com a função de propagar a fé, promover a santificação pelos sacramentos e governar os fiéis segundo a lei eclesiástica, tudo isso primariamente através da ecclesia docens.

Desenvolvimento Durante a Reforma:

A Reforma Protestante trouxe uma concepção da Igreja totalmente diversa da católica-romana. Lutero gradualmente rejeitou a ideia de uma Igreja infalível, de um sacerdócio especial e de sacramentos que atuam magicamente, restaurando a doutrina bíblica do sacerdócio de todos os crentes. Ele via a Igreja como uma comunhão espiritual daqueles que creem em Cristo, estabelecida e sustentada por Ele como seu Cabeça. Lutero enfatizou a unidade da Igreja, distinguindo entre um aspecto visível (a comunidade onde a Palavra é pregada e os sacramentos são administrados corretamente) e um invisível (a comunhão espiritual de todos os crentes verdadeiros). Sua ênfase na invisibilidade serviu para negar que a Igreja fosse essencialmente uma sociedade externa com um cabeça visível e para afirmar que sua essência reside na fé, na comunhão com Cristo e na participação das bênçãos da salvação pelo Espírito Santo.

A concepção reformada, liderada por Calvino, era fundamentalmente idêntica à luterana em relação à essência da Igreja como communio sanctorum e à distinção entre Igreja visível e invisível. No entanto, enquanto os luteranos encontravam a unidade e santidade da Igreja primariamente nas ordenanças objetivas (ofícios, Palavra e sacramentos), os reformados as descobriam mais na comunhão subjetiva dos crentes. Alguns reformados expressaram que a possibilidade de salvação se estendia além das fronteiras da Igreja visível, pois o Espírito Santo não estava absolutamente limitado aos meios ordinários da graça. Os reformados também viam a invisibilidade da Igreja em múltiplos sentidos: como ecclesia universalis, como coetus electorum que se completaria na parousia, e como coetus electorum vocatorum, devido à incapacidade humana de distinguir completamente os crentes verdadeiros dos falsos. Além da correta administração da Palavra e dos sacramentos, os reformados consideravam a fiel administração da disciplina da Igreja como um sinal verdadeiro da Igreja.

Após a Reforma, surgiram ideias divergentes sobre a Igreja. Socinianos e arminianos tendiam a negligenciar a Igreja invisível, focando na religião cristã como doutrina aceitável. Em contraste, a igreja católica romana reafirmou e fortaleceu sua estrutura hierárquica com a autoridade papal sendo ainda mais enfatizada.

A Doutrina dos Sacramentos

Desenvolvimento Antes da Reforma:

O termo “sacramentos” deriva do latim sacramentum, usado pela Vulgata para traduzir o grego musterion, que no Novo Testamento designava algo não revelado no Antigo Testamento. Eventualmente, passou a significar tudo o que era misterioso e incompreensível na religião cristã, incluindo atos e coisas misteriosas, sendo essa acepção transferida para sacramentum, que originalmente indicava um juramento militar ou um depósito em litígios.

Nos primeiros séculos, o número de sacramentos não era fixo. Agostinho mencionava o batismo e a Ceia do Senhor como os principais. Gradualmente, o número se restringiu, culminando no período escolástico com o reconhecimento de sete sacramentos. A doutrina dos sacramentos ainda carecia de uma definição clara do relacionamento entre o sensível e o espiritual, e do modo como operavam. Agostinho, por vezes, condicionava a operação dos sacramentos à fé do recipiente, vendo o sacramento externo como uma imagem da obra divina na alma. No período escolástico, prevaleceu a ideia de que os sacramentos continham apenas graça simbolizada, embora Deus Se comprometesse a acompanhar seu uso com uma operação direta de Sua graça.

O batismo era o mais importante dos sacramentos, sendo o rito de iniciação na Igreja. Já entre os Pais Apostólicos havia a ideia de que ele efetuava o perdão dos pecados e comunicava a nova vida regenerada, levando alguns a ensinarem a regeneração batismal. No entanto, isso tinha limitações: era considerado eficaz para adultos apenas com a correta disposição interna e não era visto como absolutamente essencial à iniciação da vida espiritual, mas como um complemento ao processo de renovação. Os escolásticos inicialmente seguiram Agostinho ao pressupor a fé para adultos, mas gradualmente passaram a considerar o sacramento eficaz ex opere operato, minimizando a importância das condições subjetivas. Isso pavimentou o caminho para a concepção católica-romana do batismo como sacramento da regeneração e iniciação, contendo e conferindo graça ex opere operato a quem não pusesse obstáculo, incluindo o character indelibilis, livramento da culpa e da polução do pecado, renovação espiritual e incorporação à Igreja. Dada essa importância, o batismo infantil era praticado e considerado essencial.

Inicialmente acompanhada por uma refeição comum, a Ceia do Senhor passou a ter os elementos (contribuições) abençoados pelo bispo com uma oração de ações de graças, sendo os nomes derivados desse costume aplicados à própria Ceia. Com o fortalecimento da ideia clerical e o bispo tornando-se sacerdote, as ações de graças foram vistas como uma consagração dos elementos, e a Ceia assumiu o caráter de sacrifício trazido pelo sacerdote. A compreensão da união sacramental evoluiu de um conceito simbólico ou espiritual (Orígenes) para a doutrina de que a carne e o sangue de Cristo estavam de algum modo combinados com o pão e o vinho (Cyrilo, Gregório de Nissa, Crisóstomo), chegando à doutrina da transubstanciação. No Ocidente, Agostinho distinguia entre o sinal e a coisa significada, enfatizava o aspecto comemorativo e afirmava que a substância do pão e do vinho permanecia inalterada. Na Idade Média, a doutrina de Agostinho cedeu lugar à da igreja católica romana, culminando com a formal proposta da transubstanciação por Pascásio Radberto em 818 d.C., que, apesar de alguma oposição inicial, foi finalmente definida como dogma pelo Quarto Concílio Laterano em 1215.

Desenvolvimento Durante e Após a Reforma:

A Reforma submeteu a doutrina dos sacramentos a uma revisão bíblica. Lutero, Calvino e Zwinglio concordavam em sua oposição à igreja católica romana, unindo-se na ideia de que a graça nos sacramentos é primariamente o perdão de Deus relacionado à culpa do pecado. Compartilhavam a convicção de que os sacramentos são sinais e selos vinculados à Palavra, não transmitindo graça independentemente dela e dependendo da fé do recipiente.

No entanto, divergiram em pontos importantes. Em relação ao batismo, a Reforma alemã, liderada por Lutero, reteve grande parte da prática católica, vendo a água como tornando-se a água graciosa da vida e da regeneração pelo poder intrínseco da Palavra de Deus. Inicialmente enfatizando a fé, Lutero posteriormente destacou o caráter objetivo do batismo e sua eficácia baseada na instituição divina. As igrejas reformadas viam o batismo como instituído para os que creem, fortalecendo a fé, e o aplicavam a crianças com base na doutrina da aliança.

Na Ceia do Senhor, os reformadores rejeitaram a teoria sacrificial e a transubstanciação. Lutero inicialmente via pão e vinho como sinais e selos do perdão, mas depois defendeu uma presença corporal real de Cristo “em e sob” o pão e o vinho (consubstanciação), em oposição à interpretação figurativa de Zwinglio. Calvino ensinava uma presença espiritual de Cristo na Ceia, comunicada pela fé. Visões diversas surgiram entre socinianos, arminianos e menonitas.

Em resumo, a Reforma representou uma ruptura significativa com as doutrinas medievais da Igreja e dos sacramentos, buscando retornar a uma compreensão baseada nas Escrituras, embora diferentes tradições protestantes tenham desenvolvido nuances distintas em suas doutrinas.

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