A oração era uma disciplina vital e profundamente compreendida por Martinho Lutero, permeando tanto sua teologia quanto sua vida pessoal. As fontes revelam que Lutero não apenas orava frequentemente, mas também refletia e ensinava sobre a natureza, o conteúdo e a prática da oração, especialmente em sua obra “Um Modo Simples de Orar”.
Lutero reconhecia a oração como uma necessidade constante para o crente, especialmente diante das dificuldades e tentações. Ele observava que “a carne e o Diabo sempre impedem e obstruem a oração”. Por essa razão, ele aconselhava a fazer da oração a primeira ocupação da manhã e a última da noite, alertando contra ideias enganosas que adiavam a oração em favor de outras tarefas. Ele percebia que tais adiamentos frequentemente resultavam na negligência completa da oração naquele dia, pois outras preocupações acabavam por absorver a atenção.
Em seu guia prático sobre a oração, escrito em resposta às perguntas de seu barbeiro e amigo, Peter Beskendorf, Lutero compartilhava seu próprio método pessoal. Quando sentia seu fervor na oração esfriar, ele recorria ao seu pequeno Saltério e recitava para si mesmo, palavra por palavra, os Dez Mandamentos, o Credo e, se tivesse tempo, algumas palavras de Cristo ou de Paulo, ou alguns salmos, comparando essa prática à de uma criança. Essa recitação inicial tinha o propósito de aquecer o coração e concentrar a mente na matéria da oração.
Após essa preparação, Lutero recomendava ajoelhar-se ou ficar de pé com as mãos juntas e os olhos para o céu, e então falar ou pensar o mais brevemente possível, dirigindo-se a Deus como Pai Celestial, reconhecendo sua própria indignidade como pecador, mas confiando na promessa de Deus de ouvir as orações feitas em obediência à Sua Palavra e no nome de Jesus Cristo. Ele sugeria orar em união com todos os santos e cristãos na terra, repetindo a Oração do Senhor palavra por palavra.
Lutero não se limitava a recitar a Oração do Senhor, mas incentivava a expandir cada petição, elaborando sobre seu significado e aplicação pessoal. Por exemplo, ao orar “Venha o Teu reino”, ele sugeria refletir sobre como a sabedoria e a razão mundanas profanam o nome de Deus e como poderes terrenos se opõem ao Seu reino. Ele então orava pela conversão desses oponentes e pela defesa do “pequeno rebanho” do reino de Deus, para que todos pudessem servi-Lo em verdadeira fé e amor.
Um aspecto crucial da prática da oração para Lutero era a convicção de que Deus ouve e responde às orações. Ele enfatizava a importância de sempre dizer “Amém” firmemente, sem duvidar da misericórdia divina em atender às súplicas. Ele encorajava a pensar que não se está orando sozinho, mas em comunhão com toda a cristandade, em uma petição unida que Deus não pode desprezar. Lutero aconselhava a não terminar a oração sem a certeza de que Deus a ouviu.
Embora oferecesse um método estruturado, Lutero não defendia uma recitação mecânica ou repetitiva. Ele ressaltava que o objetivo era que o coração fosse movido e guiado pelos pensamentos contidos na Oração do Senhor. Sua própria prática variava de dia para dia, dependendo de seu humor e sentimento, embora ele procurasse manter os mesmos pensamentos e ideias gerais. Ele valorizava os momentos em que uma abundância de bons pensamentos surgia durante a oração, vendo isso como o próprio Espírito Santo pregando, cuja “uma palavra de seu sermão é muito melhor do que mil de nossas orações”. Lutero afirmava ter aprendido mais com uma oração do que com muita leitura e especulação.
Além da Oração do Senhor, Lutero também praticava a oração através dos Dez Mandamentos. Ele dividia cada mandamento em quatro partes: instrução, ação de graças, confissão e oração. Ao considerar o primeiro mandamento (“Eu sou o Senhor teu Deus… Não terás outros deuses diante de mim”), ele refletia sobre a exigência de confiar sinceramente em Deus em todas as coisas, dava graças por Sua compaixão paterna, confessava suas falhas em confiar em outras coisas e orava por força para manter essa confiança. Ele via os Dez Mandamentos como um “texto escolar, livro de canções, livro penitencial e livro de orações”, destinados a ajudar o coração a se voltar para Deus e crescer zeloso na oração.
Lutero enfatizava que a oração deveria ser frequente e fervorosa, mas não necessariamente longa, aconselhando a concentrar-se em uma seção ou metade de uma seção que acendesse uma chama no coração. Ele reconhecia o papel da fé e das Escrituras Sagradas na oração, embora admitisse que seria vasto demais para detalhar completamente. Ele sugeria usar os Dez Mandamentos em um dia, um salmo ou capítulo da Escritura em outro, como “pederneira e aço” para acender a chama da oração no coração.
Em suma, a compreensão e a prática da oração para Martinho Lutero eram centrais para a vida cristã. Ele via a oração como uma resposta à ordem e à promessa de Deus, um meio de comunhão íntima com o Pai através de Jesus Cristo, guiada pela Palavra e nutrida pela fé. Sua abordagem era simultaneamente estruturada e espontânea, valorizando tanto a repetição das palavras ensinadas por Cristo quanto a expansão pessoal e a meditação sobre seu significado. A oração era para Lutero uma batalha contra as distrações do mundo e as oposições do Diabo, um refúgio em tempos de necessidade e um canal para receber a graça e a orientação de Deus. Sua própria vida, marcada por intensa atividade e desafios, era sustentada por essa prática essencial da fé.