A música, para Martinho Lutero, não era um mero adorno do culto, mas sim uma dádiva divina de suma importância, merecendo louvor supremo, logo após a própria Palavra de Deus. Essa elevada consideração contrastava fortemente com a visão de outros reformadores da sua época. Enquanto Ulrich Zwingli, em Zurique, apesar de ser um músico treinado, baniu o uso de órgãos e limitou severamente a música instrumental no culto, e João Calvino restringiu a música na igreja ao canto uníssono dos Salmos, considerando a música instrumental “absurda e sem sentido”, Lutero abraçou as artes, especialmente a música, como servindo àquele que as havia criado e concedido.
A reforma musical de Lutero colocou o canto congregacional no centro do culto protestante. Antes dele, por mil anos de culto cristão, os leigos raramente cantavam. Na sua Missa Alemã de 1526, Lutero dispensou o coro e atribuiu todo o canto à congregação. Para que o povo pudesse aprender os novos hinos, ele frequentemente convocava ensaios congregacionais durante a semana. Lutero acreditava que, originalmente, todo o povo cantava as partes que, no seu tempo, eram restritas ao coro. Essa prática de canto congregacional tornou-se uma das suas heranças mais duradouras. Seus hinos, notavelmente “Castelo Forte é Nosso Deus”, representam para muitos o contato direto com a sua obra.
Lutero não apenas promoveu o canto congregacional, mas também foi um prolífico compositor de hinos. Apesar de expressar dúvidas sobre sua própria capacidade, ele produziu mais de vinte hinos entre o final de 1523 e o início de 1524, muitos dos quais apareceram nos primeiros hinários luteranos. Ele escreveu hinos para diversos propósitos: alguns como baladas, como a que se seguiu à morte dos primeiros mártires luteranos, outros para os serviços da igreja e para as devoções domésticas. Muitos dos seus hinos eram baseados nos Salmos, como o próprio “Castelo Forte”, embora este último tivesse um estilo mais livre e uma conexão menos direta com o Salmo 46. Este hino, nascido em um dos anos mais difíceis da vida de Lutero, reflete tanto suas lutas quanto sua completa confiança em Deus.
Além dos hinos baseados nos Salmos, Lutero também escreveu hinos para as porções da liturgia e para todas as estações do ano eclesiástico. Com o objetivo de ensinar o catecismo, ele compôs dois hinos sobre os Dez Mandamentos, um para o Credo dos Apóstolos, um para a Oração do Senhor e outros para o batismo e a Ceia do Senhor. Através desses hinos, Lutero demonstrou seu desejo contínuo de instruir na fé, especialmente as crianças.
A motivação de Lutero para escrever hinos em alemão estava ligada à sua visão de um culto que fosse compreensível e edificante para o povo comum. Ele procurou substituir o latim, predominante nos serviços religiosos, pelo vernáculo alemão, para que a Palavra de Deus pudesse ter livre curso e ser cantada por todos. Ele conclamou poetas e músicos qualificados a produzirem hinos e liturgias alemãs que proclamassem fielmente a Palavra de Deus, aconselhando o uso de palavras simples e comuns, a preservação do ensino puro da Palavra de Deus e a manutenção do significado o mais próximo possível do texto original, como no caso dos Salmos.
Lutero possuía grande apreço pela arte musical em si. Ele próprio era um músico treinado, com uma bela voz, tocava alaúde e até se aventurou na composição. Ele estava familiarizado com as obras dos principais compositores da época, como Josquin des Prez, reconhecendo que Deus havia pregado o evangelho através da música. Para Lutero, a capacidade de linguagem e de canto eram dons exclusivamente humanos, demonstrando que devemos louvar a Deus tanto com a palavra quanto com a música. Ele via a música como um veículo para proclamar a Palavra de Deus, citando exemplos bíblicos como Moisés e Davi. Sua convicção era tamanha que ele defendia o ensino da música nas escolas e considerava a habilidade musical um critério importante para a avaliação de um mestre-escola e para a ordenação de jovens pregadores.
A reforma musical de Lutero não foi uma rejeição total das práticas litúrgicas existentes, mas sim uma purificação do que havia sido viciado por adições abomináveis, buscando um uso piedoso. Ele não desejava descartar simplesmente a liturgia da igreja, reconhecendo o valor de elementos como o Kyrie, o Gloria in Excelsis, o Credo e o Agnus Dei para a proclamação da justificação somente pela graça. No entanto, ele buscou reformar o serviço, eliminando traços de falsos ensinamentos, como ele percebia no Cânon da Missa.
Em suma, Martinho Lutero revolucionou a música no culto protestante ao restaurar o canto congregacional como prática central, introduzir hinos na língua vernácula que ensinavam a doutrina e expressavam a fé, e ao valorizar profundamente a música como um dom divino e um meio poderoso de proclamação do Evangelho. Sua paixão pela música e seu compromisso com a participação do povo no culto moldaram profundamente a tradição musical protestante que perdura até hoje.