Martinho Lutero traduziu o Novo Testamento para o alemão enquanto estava escondido no Castelo de Wartburg.
Após a Dieta de Worms em 1521, onde Lutero se recusou a se retratar de seus escritos a menos que fosse convencido pelo testemunho das Escrituras ou por razão clara, o Imperador Carlos V o declarou um herege e o baniu do império com o Édito de Worms. Temendo pela segurança de Lutero, seu protetor, o príncipe eleitor Frederico III, o Sábio, providenciou para que ele fosse secretamente levado e escondido no Castelo de Wartburg. Essa ação visava protegê-lo da perseguição imperial e papal, dando-lhe tempo para refletir e continuar seu trabalho.
Lutero chegou ao Castelo de Wartburg como um “fora da lei”, sob o pseudônimo de “Cavaleiro Jorge”. Apesar de reclamar da solidão forçada e de sua própria “preguiça”, os dez meses que passou no Wartburg foram um período extremamente produtivo em sua vida. Ele continuou seus trabalhos teológicos e acadêmicos, escrevendo, por exemplo, um comentário tocante e quase autobiográfico sobre o Magnificat e um esboço da Postillae.
A tarefa mais significativa que Lutero empreendeu durante sua estadia no Wartburg foi a tradução do Novo Testamento para o alemão. Ele utilizou o texto grego do Novo Testamento publicado por Erasmo. A tradução foi realizada em um ritmo surpreendente, com um esboço concluído em apenas onze semanas. Essa velocidade é notável, considerando as condições de trabalho de Lutero no castelo, que incluíam dias sombrios, iluminação precária e sua saúde geralmente debilitada.
A motivação de Lutero para traduzir a Bíblia para o alemão era profunda. Ele desejava que as pessoas comuns, incluindo “o menino da fazenda e a leiteira”, pudessem “sentir” as palavras da Escritura “no coração” e ter acesso direto à Palavra de Deus em sua própria língua. Na época de Lutero, o alemão consistia em vários dialetos regionais. A tradução de Lutero não apenas tornou a Bíblia acessível ao povo alemão, mas também desempenhou um papel crucial na unificação desses dialetos em uma única língua alemã moderna. Ao priorizar o alemão falado em vez do alemão formal ou escrito, Lutero garantiu que sua tradução ressoasse com o povo. Ele até consultava pessoas comuns nas diferentes regiões para encontrar os termos mais adequados e expressar o espírito da língua estrangeira no idioma alemão. Para entender os rituais de sacrifício na lei mosaica, por exemplo, ele pediu ao açougueiro da cidade para cortar ovelhas para que pudesse estudar suas entranhas.
O Novo Testamento em alemão, Das Newe Testament Deutzsch, foi publicado em setembro de 1522 e foi um sucesso imediato. A primeira edição, uma “obra-prima tipográfica” com ilustrações da oficina de Lucas Cranach e seleções da famosa série Apocalipse de Albrecht Durer, vendeu cerca de cinco mil cópias nos primeiros dois meses. A tradução de Lutero foi tão popular e amplamente disseminada pelas gráficas que até alfaiates, sapateiros e mulheres liam avidamente o “novo evangelho luterano” como se fosse uma “fonte de toda a verdade”. Alguns até carregavam a Bíblia no peito e a aprendiam de cor.
A tradução da Bíblia por Lutero no Castelo de Wartburg não foi apenas um feito linguístico e teológico, mas também um evento com profundas implicações culturais e sociais. Tornou as Escrituras acessíveis ao povo, fortaleceu o movimento reformador e contribuiu significativamente para o desenvolvimento da língua alemã moderna, firmando a autoridade da Bíblia na vida e na fé dos crentes. Sua tradução serviu de base e influenciou outras traduções da Bíblia para línguas vernáculas, incluindo a Bíblia em holandês, sueco, islandês e dinamarquês, e teve um impacto notável no trabalho de William Tyndale, um dos principais tradutores da Bíblia para o inglês.