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Que papel Jesus desempenha na interpretação do Antigo Testamento?

Jesus Cristo desempenha um papel central e indispensável na correta interpretação do Antigo Testamento. As Escrituras do Antigo Testamento não são meramente um registro de eventos históricos isolados ou um código legal obsoleto, mas sim um testemunho multifacetado que aponta inequivocamente para Ele. A compreensão da vida, morte e ressurreição de Jesus de Nazaré é a chave para desvendar o significado mais profundo e o propósito redentor do Antigo Testamento.

Desde o início, Jesus enfatizou que as Escrituras do Antigo Testamento testificavam a seu respeito. Ele próprio declarou aos judeus que, se eles cressem em Moisés, creriam Nele, pois Moisés escreveu sobre Ele. Da mesma forma, Jesus afirmou que Abraão se regozijou em ver o seu dia. Após a sua ressurreição, Jesus repreendeu seus discípulos por sua falta de fé e, começando por Moisés e todos os profetas, explicou-lhes o que Dele se achava em todas as Escrituras. Suas palavras finais antes da ascensão reiteraram que estava escrito que o Cristo padeceria e ressuscitaria ao terceiro dia, e que em seu nome se pregasse o arrependimento e a remissão de pecados a todas as nações, começando por Jerusalém. Tudo isso converge para uma conclusão inescapável: o Antigo Testamento é fundamentalmente sobre o evangelho de Cristo.

A primeira e principal pergunta que devemos fazer ao nos depararmos com qualquer passagem do Antigo Testamento não é primariamente sobre nós mesmos, mas sim: como essa passagem testifica de Cristo?. Apenas Jesus Cristo, aquele que cumpre o Antigo Testamento, define a vida do cristão. Se o Antigo Testamento não apontar para Cristo, também não aponta autenticamente para o cristão. Portanto, a pregação eficaz do Antigo Testamento deve ser cristocêntrica para poder genuinamente se aplicar à vida das pessoas de maneira cristã. Embora possamos aprender com os homens e mulheres do Antigo Testamento, bons e maus, é Cristo quem define, em última análise, o que significava a bondade ou maldade deles. Nosso crescimento espiritual provém de nos tornarmos mais semelhantes a Cristo, não primariamente a Abraão, Davi ou Daniel; esses heróis do Antigo Testamento servem como exemplos para nós apenas na medida em que prefiguram e apontam para Cristo.

Mark Dever, na obra citada, emprega três caminhos principais para traçar a relação entre o Antigo Testamento e a mensagem da redenção em Cristo. Esses métodos não são exclusivos, mas oferecem perspectivas distintas sobre a unidade das Escrituras, todas centradas na premissa de que o Antigo Testamento registra inúmeras promessas do Senhor relativas à redenção de seu povo. Essas promessas não encontram sua resolução final dentro do próprio Antigo Testamento, que termina em suspenso. É o Novo Testamento que narra o cumprimento perfeito dessas promessas na vida, morte e ressurreição de Jesus de Nazaré.

A primeira abordagem envolve isolar o tema principal de um livro específico do Antigo Testamento e, em seguida, conectar esses temas por meio de referências diretas no Novo Testamento ou através de temas teológicos análogos encontrados em Cristo. Iniciamos com os temas teológicos do Antigo Testamento e caminhamos para a sua elucidação no evangelho de Cristo.

O segundo método segue a direção das alusões e citações do Antigo Testamento presentes no Novo Testamento. Estima-se que o Novo Testamento contenha cerca de 1.600 dessas referências. Quase todos os livros do Novo Testamento estabelecem essas conexões, que são principalmente teológicas e não meramente analógicas. Ao estudar como os escritores do Novo Testamento interpretaram passagens específicas do Antigo Testamento, somos guiados para uma compreensão cristocêntrica dessas mesmas passagens. Por exemplo, o Evangelho de Mateus cita Oséias 11:1 para descrever o retorno do menino Jesus do Egito, vendo no êxodo de Israel um prenúncio do próprio êxodo de Cristo. Da mesma forma, o Salmo 110 é frequentemente citado no Novo Testamento para afirmar a exaltação de Cristo como Senhor e Sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque.

O terceiro método é de natureza tipológica. A tipologia se fundamenta no fato de que o Deus das Escrituras revelou a si mesmo e seus propósitos salvíficos em estágios progressivos. O Antigo Testamento, sendo a única Bíblia de Jesus e dos apóstolos, e reconhecido desde o início pela igreja como Escritura cristã, contém prefigurações da verdade que seria plenamente revelada em Jesus. Tudo o que Deus disse e fez na história de Israel preparou o caminho para a vinda do Messias. Especificamente, essa preparação se dá através de tipos – pessoas, eventos ou instituições do Antigo Testamento que servem como sombras ou padrões que encontram sua realidade e cumprimento em Cristo. O cordeiro pascal em Êxodo, cujo sangue protegia os primogênitos da ira divina, é um tipo de Cristo, o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. O sacerdócio levítico e os sacrifícios apontavam para o sacerdócio superior e o sacrifício definitivo de Jesus. A serpente de bronze levantada no deserto para curar os israelitas mordidos prefigurava a elevação de Cristo na cruz para a salvação de todos os que creem. Até mesmo o nome de Josué (“O Senhor é salvação”) prefigura Jesus.

Negligenciar o Antigo Testamento impede uma compreensão plena de Jesus Cristo. Se Cristo é a chave da história humana, o Antigo Testamento descreve em detalhes a fechadura. Se Cristo é o ápice da história, o Antigo Testamento prepara o cenário e inicia o enredo. As parábolas de Jesus frequentemente se referem à história iniciada em Gênesis, suas batalhas verbais com os fariseus se enraízam em diferenças na interpretação da Lei, e as epístolas se fundamentam constantemente no Antigo Testamento. Para entender o propósito de Deus na história e a própria linha histórica, é imperativo começar do princípio. Um entendimento aprofundado do Antigo Testamento conduz a uma compreensão mais rica do Novo Testamento e, consequentemente, de Jesus Cristo, do cristianismo, de Deus e de nós mesmos. O Antigo Testamento apresenta as promessas de Deus, enquanto o Novo Testamento revela o seu cumprimento em Cristo. Compreender a questão que o Antigo Testamento deixa em aberto torna a cruz de Cristo, a resposta divina, muito mais significativa.

Além disso, Jesus resolve o chamado “enigma do Antigo Testamento”. Em Êxodo 34, Deus se descreve como misericordioso e compassivo, perdoando a iniquidade, a transgressão e o pecado, mas que não terá por inocente o culpado. A questão crucial é como Deus pode ser tanto justo quanto justificador. A resposta para essa tensão não se encontra nas próprias pessoas do Antigo Testamento ou em seu sistema sacrificial inerentemente falho. A esperança reside na pessoa prometida, o Messias. É através da morte substitutiva e expiatória de Jesus Cristo na cruz que a justiça de Deus é satisfeita e o pecado é perdoado para todos aqueles que se arrependem e creem. Jesus, ao se oferecer como sacrifício perfeito, combina de maneira surpreendente força e humildade, o Leão de Judá tornando-se o Cordeiro morto pelos nossos pecados, nosso substituto que nos compra com seu sangue.

Em suma, Jesus Cristo é a própria essência da Bíblia, conferindo significado à sua totalidade. O Antigo Testamento estabelece as promessas, e o Novo Testamento as cumpre em Cristo. Interpretar o Antigo Testamento sem considerar o seu testemunho de Jesus Cristo é como ler apenas o primeiro ato de uma peça, perdendo o clímax e a resolução que dão sentido a toda a narrativa. Portanto, a chave para uma compreensão profunda e transformadora do Antigo Testamento reside em reconhecer e abraçar o papel central de Jesus Cristo como o prometido Messias, o Redentor e o cumprimento de todas as esperanças.

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