Agostinho concebia a graça divina de uma maneira que se tornou fundamental para a teologia ocidental, especialmente em contraste com as ideias de Pelágio. Sua visão da graça era profundamente influenciada por suas experiências religiosas e por seu estudo da Epístola aos Romanos.
Para Agostinho, a vontade do homem precisa ser renovada, e essa renovação é obra exclusiva de Deus, do começo ao fim, uma operação da graça divina. Ele enfatizava que, embora falasse de “graça irresistível”, não queria dizer que a graça divina se impõe à vontade contra a natureza do homem como agente livre. Em vez disso, a graça altera a vontade do homem de tal maneira que este escolhe voluntariamente aquilo que é bom. Assim, a vontade do homem é renovada, e sua autêntica liberdade é restaurada. Desta forma, a graça de Deus torna-se a fonte de todo o bem no homem.
Daí segue-se que a doutrina da regeneração ensinada por Agostinho é inteiramente monenergética. A operação do Espírito Santo é necessária não meramente para suprir uma deficiência, mas para a completa renovação da íntima disposição do homem, a fim de que ele seja levado à conformidade espiritual com a lei. Shedd é citado dizendo que “a graça é conferida ao homem pecaminoso não porque ele crê, mas para que creia; pois a própria fé é um dom de Deus”.
Agostinho distinguia vários estágios na obra da graça divina, denominando-os “graça preveniente”, “graça operante” e, finalmente, “graça cooperadora”.
- No primeiro estágio, o Espírito de Deus emprega a lei para produzir o senso de culpa e de pecado.
- No segundo, Ele usa o evangelho para produzir aquela fé em Cristo e na Sua obra expiatória que floresce na justificação e na paz com Deus.
- No terceiro, a vontade renovada do homem coopera com Ele na obra de santificação, que se prolonga pela vida inteira.
A exposição de Agostinho sobre a graça de Deus como causa eficiente da salvação o levou à sua doutrina da predestinação. O que Deus faz no tempo para a graciosa renovação do pecador é o que Ele determinou fazer em Seu plano eterno. Ele percebeu que a coerência e uma justa interpretação das Escrituras exigiam que ele considerasse a escolha humana do bem e a sua fé em Cristo como efeitos da graça divina.
Agostinho também alude à graça em seu sentido objetivo, como o evangelho, o batismo, o perdão dos pecados, etc.. No entanto, ele percebia que isso não era suficiente, pois o homem pecaminoso precisa de uma graça interna, espiritual, uma influência sobrenatural do Espírito de Deus mediante a qual a mente é iluminada e a vontade é inclinada para a santidade. Essa graça, fruto da predestinação, é gratuitamente distribuída de acordo com o soberano beneplácito de Deus, e não segundo quaisquer méritos do homem. É um dom de Deus que precede quaisquer méritos humanos. Ela renova o coração, ilumina a mente, inclina a vontade, produz a fé e capacita o homem a realizar o bem espiritual. A operação dessa graça é estritamente monenergética.
Para Agostinho, a fé era de grande significação, marcando o começo da vida cristã e sendo fonte de toda boa obra. Ele a concebia primariamente como uma anuência intelectual à verdade, embora em algumas passagens ele alcançasse uma concepção superior. Ele distinguia entre a fé em geral e a fé cristã, entre crer no que Cristo diz e crer em Cristo. A pessoa só crê realmente em Cristo quando O ama e fixa nEle a sua esperança. A fé cristã é de natureza tal que atua pelo amor. Agostinho considerava a fé como operante na justificação do pecador, pois dizia que o homem é justificado pela fé, ou seja, pela fé obtém a justificação. Contudo, ele não concebia a justificação em um sentido puramente forense; embora incluísse o perdão de pecados, não seria esse o seu principal elemento. Na justificação, Deus não meramente declara, mas torna o pecador justo, transformando sua natureza íntima. Agostinho não distinguia claramente entre a justificação e a santificação, incorporando a última na primeira. A característica mais notável de seu sistema doutrinário é que ele atribui tudo à graça de Deus.
Em alguns momentos, Agostinho parece sugerir que a participação na graça divina depende da Igreja e seus sacramentos, e que a regeneração poderia ser perdida. Além disso, sua doutrina da justificação pela fé, embora vital, às vezes era exposta de modo que dificilmente se reconciliava com a doutrina da graça gratuita. Para ele, a graça de Deus, conferida gratuitamente, não consistiria primariamente do perdão dos pecados, mas da regeneração, na infusão de uma graça que capacita o homem a fazer boas obras e a merecer a vida eterna. A fé justificaria não por se apossar da retidão de Jesus Cristo, mas porque opera pelo amor. Embora o homem não tenha mérito antecedente à operação da graça e ao dom da fé, uma vez atuantes no coração a graça da renovação e da fé, as obras do indivíduo se tornam verdadeiramente meritórias. Fundamentalmente, a graça serviria ao propósito de possibilitar ao homem, mais uma vez, merecer a salvação.
Na teologia católica romana posterior, a graça transmitida nos sacramentos era concebida como exclusivamente uma graça santificadora infundida, que eleva o homem à ordem sobrenatural e o torna partícipe da natureza divina, um dom sobrenatural que vem ao homem de fora. O perdão de pecados, embora ligado ao batismo nas Escrituras, ocupa um lugar relativamente secundário nesse sistema.