Agostinho encarou a queda de Roma em 410 d.C. como um evento significativo que o levou a refletir profundamente sobre o significado da história, a realidade do tempo e a vocação dos seguidores de Jesus para viverem com esperança em meio a impérios terrenos que ascendem e caem. A queda da “cidade eterna” para Alarico e os Visigodos teve um impacto psicológico profundo, comparável ao 11 de setembro para o mundo moderno. Para muitos romanos, cuja visão de mundo estava ligada à ideia de uma Roma invicta e eterna, o evento foi catastrófico, levando Jerônimo a questionar o que poderia ser seguro se Roma perecesse. O terror e a tristeza pervadiram a sociedade romana.
No entanto, Agostinho, então bispo de Hipona no norte da África, não viu a queda de Roma como um prenúncio do fim ou como um julgamento divino sobre os cristãos, como alguns pagãos alegavam. Em vez disso, ele começou a escrever “A Cidade de Deus” para refutar essas acusações e para oferecer orientação aos cristãos que sentiam o mundo desmoronando ao seu redor. Ele reconheceu que a Cidade de Deus, em sua peregrinação terrena, não estava isenta das dificuldades e dos sofrimentos do tempo.
A invasão de Alarico não foi um evento isolado, mas o culminar de um longo período de pressão bárbara sobre o Império Romano. As tentativas anteriores de subornar Alarico mostraram a fragilidade da situação. A queda da cidade revelou a impotência do poder militar romano e a brutalidade da guerra. Agostinho compreendeu o choque psicológico desse evento, que o impulsionou a meditar sobre o sentido da história em um contexto de impérios vacilantes.
A resposta de Agostinho à queda de Roma envolveu a formulação de uma compreensão distinta da história que se diferenciava das visões contemporâneas. Ele rejeitou a visão cíclica da história, popular na cultura da época e em religiões orientais, que concebia o tempo como um ciclo eterno sem começo nem fim. Agostinho argumentou que essa visão era incompatível com a fé bíblica, que começa com a criação por Deus em um ponto específico no tempo. Ele refletiu sobre Gênesis, reconhecendo que Deus criou o tempo e o espaço simultaneamente, estabelecendo um início definitivo para a história. Além disso, ele via a vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo como o ponto central da história, que culminaria em um futuro conhecido apenas por Deus.
Agostinho também se opôs à visão apocalíptica que interpretava a queda de Roma como um sinal do fim iminente do mundo, citando passagens do Apocalipse. Ele observou que, apesar do saque, Roma ainda existia, sugerindo que o fim não era necessariamente imediato.
Ademais, Agostinho rejeitou a visão progressiva da história, popular entre aqueles que viam o Império Romano cristianizado como a concretização do Reino de Deus na Terra. A invasão de Alarico demonstrou a falácia dessa visão otimista, mostrando que nenhuma cidade terrena poderia ser identificada plenamente com a Cidade de Deus. Agostinho enfatizou que “a Cidade Celestial supera Roma, incomparavelmente” e que seus valores transcendem a vitória terrena, focando na verdade, santidade, felicidade e eternidade.
Para Agostinho, a queda de Roma ensinou que os cristãos vivem no tempo, mas pertencem à eternidade, possuindo uma dupla cidadania. Assim como Paulo reconheceu sua cidadania celestial e terrena, os crentes são peregrinos em um mundo de lealdades divididas. Essa perspectiva leva a uma “virtude castigada”, um engajamento no mundo que reconhece sua natureza transitória (“este mundo não é meu lar”) ao mesmo tempo em que busca amar o próximo e promover a justiça e a paz.
Agostinho alertou contra o utopismo, a crença na possibilidade de criar uma sociedade perfeita na Terra, e o cinismo, a retirada passiva diante do mal. Em vez disso, ele chamou os cristãos a viverem pelo amor, o único elemento que experimentado no tempo persistirá na eternidade. A queda de Roma, portanto, não era um sinal do fracasso do plano de Deus, mas um lembrete da natureza transitória dos reinos terrenos e da permanência da Cidade de Deus, cuja fundação é o amor eterno de Deus. A resposta cristã a eventos como a queda de Roma deveria ser marcada pela esperança, radicada na obra redentora de Cristo, e por um compromisso humilde e compassivo com o mundo, reconhecendo que a verdadeira cidadania dos crentes reside em outra cidade, cujo construtor é Deus.