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A igreja primitiva enfrentou uma crise significativa em resposta à apostasia durante os períodos de perseguição. Sob a ameaça de sofrimento e morte, muitos cristãos cederam, comprometendo sua fé ao cumprirem as diretivas imperiais ou cooperarem com as autoridades governamentais; este ato de compromisso era conhecido como “lapsismo”. O número daqueles que abandonaram a fé, especialmente durante a perseguição de Décio na década de 250, produziu uma crise para a igreja, levantando questões cruciais sobre se e como esses “caídos” (lapsi) poderiam ser readmitidos na comunhão.

A questão da readmissão dos “lapsi” gerou intensos debates e, eventualmente, levou a vários cismas dentro da igreja. Diferentes perspectivas surgiram sobre a natureza da igreja e a possibilidade de perdão para pecados pós-batismo, particularmente o pecado de apostasia. Alguns adotaram uma visão mais rigorosa, argumentando que a igreja deveria permanecer uma comunidade pura e que aqueles que negaram a fé sob perseguição não poderiam ser readmitidos. Outros defenderam uma abordagem mais pastoral, enfatizando a misericórdia e a possibilidade de penitência e restauração.

Tertuliano, escrevendo antes da perseguição de Décio, listou a remissão de pecados como um dos benefícios do batismo e argumentou que não poderia haver um segundo arrependimento após o batismo, especialmente para pecados considerados mortais, como a apostasia. Ele via a igreja como o corpo puro e a noiva de Cristo, separada do Império. Essa visão estrita influenciou alguns a adotarem uma postura inflexível em relação aos “lapsi”.

Em contraste, outras perspectivas, como a expressa em “O Pastor de Hermas” (c. 150), sugeriam que poderia haver um arrependimento após o batismo, e até mesmo a apostasia poderia ser perdoada uma vez. Calisto, bispo de Roma de 217 a 222, aparentemente estava disposto a oferecer penitência e perdão para adultério e assassinato, o que sugere uma visão mais misericordiosa, embora isso tenha sido contestado por figuras como Hipólito e Tertuliano.

O sistema de penitência que se desenvolveu envolvia um período de provação mais longo para aqueles que haviam pecado após a conversão em comparação com os novos membros. No entanto, aqueles que haviam apostatado não eram geralmente selecionados para cargos de liderança na igreja.

A perseguição de Décio, que afetou um grande número de cristãos, intensificou o debate sobre a penitência e a natureza da igreja. Muitos cristãos realizaram os sacrifícios exigidos ou obtiveram certificados (libelli) que atestavam o sacrifício. Após a morte de Décio em 251 e o fim da perseguição, a igreja se viu diante da questão de como lidar com esses apóstatas que desejavam retornar à comunhão.

Em Cartago, por exemplo, houve mártires e confessores (aqueles que confessaram sua fé, mas não foram mortos). O bispo Cipriano, que havia se escondido durante a perseguição, retornou para lidar com a crise. Um concílio em Cartago em 251 decidiu que todos os “lapsi” deveriam ser admitidos à penitência, embora não imediatamente à igreja. Aqueles que obtiveram um certificado sem realmente sacrificar deveriam ser readmitidos após um período de penitência proporcional à pressão sofrida. Aqueles que de fato realizaram o sacrifício só seriam readmitidos no ponto da morte. O clero “lapsi” poderia ser readmitido à igreja em face da morte, mas permanentemente removido do ofício. O concílio afirmou que o poder de readmitir pertencia ao bispo, não aos confessores. Essa decisão representou uma vitória para a visão da igreja como um corpo misto, capaz de oferecer perdão mesmo para pecados pós-batismo.

No entanto, essa postura não foi aceita sem conflito. Em Roma, após o martírio do bispo Fabiano, Cornélio foi eleito bispo e imediatamente ofereceu penitência aos “lapsi”. Novaciano, um clérigo proeminente em Roma, liderou uma facção dissidente, argumentando que não era possível o perdão para a apostasia, estabelecendo uma igreja rival que se via como um grupo de elite espiritualmente puro, em conflito com o mundo. O conflito entre novacianistas e cornélianos refletiu as duas visões concorrentes da igreja.

Crises semelhantes surgiram durante a Grande Perseguição sob a Tetrarquia (iniciada por Diocleciano em 293), com respostas variando em diferentes regiões. Na Ásia Menor, sínodos como o de Ancira adotaram uma postura mais tolerante. Em Roma, a luta entre os seguidores de Novaciano e os bispos continuou. No Egito, houve uma divisão entre o bispo Pedro de Alexandria, que defendia uma política de leniência, e Melécio, que buscava punições severas, resultando em um cisma na igreja egípcia.

No Norte da África, a questão da entrega das Escrituras (traditio) durante a perseguição levou ao cisma donatista. Donato e seus seguidores consideravam tão grave o ato de entregar as Escrituras que acreditavam que qualquer sacramento administrado ou recebido por um “traditor” era inválido e que estar em comunhão com um “traditor” tornava alguém culpado de apostasia. Os donatistas se viam como a verdadeira igreja dos santos, sem compromissos, e não reconheciam a validade da consagração do bispo Ceciliano de Cartago, pois um dos bispos consagradores era alegadamente um “traditor”. A controvérsia donatista forçou a igreja latina a desenvolver mais plenamente sua teologia da unidade da igreja e a afirmar a validade dos sacramentos “ex opere operato”, independentemente do caráter moral do administrador.

Em última análise, a visão da igreja como um corpo misto, composto tanto por santificados quanto por aqueles em processo de santificação, prevaleceu sobre a visão de uma igreja como uma elite dos espiritualmente puros. Essa perspectiva, fundamentada na necessidade de cuidado pastoral e amor perdoador, permitiu a readmissão dos “lapsi” após um período de penitência, embora o chamado à santificação continuasse sendo um tema importante na vida da igreja. As reações da igreja à apostasia durante as perseguições moldaram significativamente a sua compreensão da graça, do perdão e da própria natureza da comunidade cristã, deixando um legado duradouro para a teologia e a prática da igreja.

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