João Crisóstomo estabeleceu um forte contraste entre o valor que as pessoas davam aos objetos materiais, especialmente aos objetos de culto nas igrejas, e o valor que negligenciavam dar às pessoas, particularmente aos pobres e necessitados. Ele criticava a prática de adornar ricamente os edifícios das igrejas e criar objetos litúrgicos de ouro e prata, enquanto simultaneamente ignoravam as necessidades básicas dos membros mais vulneráveis da comunidade.
Em um de seus sermões, Crisóstomo questionava a hipocrisia de criar “vasos de ouro” para a igreja enquanto Cristo, na pessoa dos pobres, estava faminto. Ele apontava para a contradição de confeccionar “cálices de ouro” para a celebração da Eucaristia, mas falhar em oferecer sequer um copo de água fria àqueles que tinham sede e estavam em necessidade. Para Crisóstomo, essa disparidade revelava uma profunda falha na compreensão do verdadeiro significado da fé cristã e da encarnação de Cristo.
Crisóstomo argumentava que, ao priorizar a ostentação material nos edifícios e objetos da igreja em detrimento do cuidado com os pobres, os crentes estavam, na verdade, desprezando o próprio Cristo. Ele lembrava que Jesus se identificou com os necessitados, afirmando que qualquer ato de serviço feito ao menor de seus irmãos era feito a Ele próprio (Mateus 25:40). Portanto, a indiferença em relação à pobreza e ao sofrimento humano contrastava diretamente com a devoção demonstrada aos objetos inanimados dentro da igreja.
Ele chegou a vender os cálices de ouro da igreja para dar os recursos aos pobres, demonstrando a sua convicção de que o valor das pessoas superava em muito o valor dos objetos materiais, por mais preciosos que fossem. Sua declaração “Vós fazeis vasos de ouro, mas o próprio Cristo está faminto. Vós fazeis cálices de ouro, mas falhais em oferecer um copo de água fria aos necessitados. Cristo, como um estrangeiro sem lar, está vagando e mendigando, e em vez de recebê-lo, fazeis decorações” resume de forma contundente seu contraste entre a valorização do material e a negligência do humano.
A visão de Crisóstomo sobre essa questão estava profundamente enraizada em sua compreensão das Escrituras e da doutrina da Encarnação. Ele enfatizava que todos os seres humanos são feitos à imagem de Deus e, portanto, possuem uma dignidade intrínseca que deve ser respeitada, independentemente de sua condição social. Os pobres, em particular, refletiam a humildade da encarnação de Cristo ao assumir a condição humana em sua totalidade, exceto o pecado.
Para Crisóstomo, a verdadeira piedade e a adoração genuína a Deus não se limitavam aos rituais litúrgicos dentro da igreja, mas se estendiam ao amor e ao serviço prático ao próximo, especialmente aos mais vulneráveis. A indiferença em relação aos pobres, portanto, revelava uma adoração deficiente. Ele afirmava que, enquanto se honrava o altar na igreja por repousar sobre ele o corpo de Cristo na Eucaristia, as próprias pessoas, que também eram corpo de Cristo, eram tratadas com desprezo e indiferença quando se via seu sofrimento.
Crisóstomo considerava que os próprios corpos dos homens e mulheres necessitados eram os verdadeiros altares onde a adoração deveria ser demonstrada através do serviço amoroso. Ele via uma “liturgia após a liturgia”, onde o culto a Deus realizado publicamente na igreja deveria se estender ao serviço amoroso aos pobres no mundo.
Em resumo, o contraste estabelecido por João Crisóstomo entre objetos e pessoas destacava a prioridade que deveria ser dada ao valor intrínseco e à dignidade dos seres humanos, especialmente dos pobres e sofredores, em detrimento da excessiva valorização e ostentação de objetos materiais, mesmo aqueles utilizados no culto religioso. Sua crítica apontava para a necessidade de uma fé prática que se manifestasse no amor e no serviço ao próximo, refletindo a própria encarnação e o exemplo de Cristo.