Vários fatores inter-relacionados levaram ao surgimento da teologia bíblica como disciplina. Esses fatores se desenvolveram ao longo do tempo e representaram reações a diferentes abordagens do estudo bíblico e teológico.
- A reação contra o caráter não bíblico da teologia dogmática durante a Reforma: Os reformadores insistiram que a teologia deveria estar fundamentada apenas na Bíblia, em oposição à teologia dogmática que se baseava tanto na Bíblia quanto na tradição da Igreja. Essa nova ênfase na Escritura levou ao estudo das línguas originais e à conscientização da importância da história na teologia bíblica.
- O impacto do Iluminismo sobre os estudos bíblicos: No século XVIII, surgiu uma nova perspectiva que buscava interpretar a Bíblia com “completa objetividade”, libertando-se do controle eclesiástico e teológico. Diversas influências inter-relacionadas impulsionaram esse movimento:
- O surgimento do racionalismo: Uma reação ao sobrenaturalismo, que procurava explicações baseadas na razão.
- O desenvolvimento do método histórico: A busca por compreender os textos bíblicos dentro de seu contexto histórico.
- O surgimento da crítica literária: A análise da Bíblia como qualquer outra obra literária antiga. Essas influências levaram à concepção da Bíblia como um registro histórico humano, em vez da Palavra de Deus inspirada pelo Espírito.
- A distinção entre teologia bíblica e dogmática: J. P. Gabler, em 1787, articulou claramente a separação entre teologia bíblica (estritamente histórica, traçando o surgimento das ideias religiosas em Israel) e teologia dogmática (que usa a teologia bíblica para extrair relevância universal através de conceitos filosóficos). Essa distinção metodológica influenciou o estudo da teologia bíblica por aproximadamente cinquenta anos.
- A busca por uma perspectiva histórica e liberal na teologia do Novo Testamento: Influências como a de Hegel levaram estudiosos como F. C. Baur a se concentrarem no desenvolvimento histórico da igreja primitiva e nos conflitos teológicos (como a questão da lei entre Paulo e o cristianismo judaico) como chave para entender o Novo Testamento. Embora a aplicação específica de Baur possa ser questionada, o princípio da relação inseparável entre teologia bíblica e história foi uma contribuição duradoura.
- O surgimento da “Escola de Erlangen” e a teologia da Heilsgeschichte (História da Salvação): Estudiosos como Hofmann procuraram vindicar a autoridade da Bíblia por meios históricos, vendo-a como um registro do processo da história santa ou salvífica, culminando na redenção da humanidade. Essa escola enfatizava a Bíblia como testemunho dos atos redentores de Deus na história.
- A reação contra a abordagem dos “sistemas de doutrina” pela Religionsgeschichte Schule (escola do estudo do desenvolvimento da religião): Essa escola, influenciada pelo liberalismo, focou nas expressões das experiências religiosas vivas do cristianismo primitivo à luz de seu ambiente religioso, em vez da formulação de verdades imperecíveis.
- A crise da teologia bíblica e o retorno contemporâneo: No século XX, houve um período de crise na teologia bíblica devido a tentativas de combinar metodologia liberal crítica com uma teologia bíblica normativa. No entanto, posteriormente, houve um reavivamento da teologia bíblica, impulsionado por fatores como a perda de confiança no naturalismo evolucionista e uma reação contra um método puramente histórico que reivindicava total objetividade.
Em suma, o surgimento da teologia bíblica como disciplina é um processo complexo moldado por mudanças intelectuais, teológicas e históricas, incluindo a ênfase reformadora na sola scriptura, o impacto crítico do Iluminismo, a necessidade de distinguir entre análise histórica e formulação dogmática, e as diversas tentativas de compreender a Bíblia em seu contexto histórico e religioso.
Referência: LADD, George Eldon. Teologia do Novo Testamento