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A teologia moderna, a partir do século XIX, abordou a Pessoa de Cristo e a doutrina da expiação com mudanças significativas em relação aos séculos anteriores. Houve uma notável mudança no estudo sobre a Pessoa de Cristo no século XVIII, onde o ponto de partida deixou de ser predominantemente teológico (o Logos) para se concentrar no estudo do Jesus histórico, resultando em uma cristologia antropocêntrica.

Essa nova abordagem, embora buscando resultados mais satisfatórios ao começar com o Jesus dos Evangelhos, enfrentou críticas por frequentemente se aliar a uma aversão à autoridade e ao sobrenatural, com um forte apelo à razão e à experiência. Uma distinção perniciosa surgiu entre o Jesus histórico delineado nos Evangelhos e o Cristo teológico, considerado um produto da imaginação dos pensadores teológicos. Nesse contexto, o sobrenatural foi frequentemente negado, e a doutrina concernente a Cristo cedeu lugar aos ensinamentos de Jesus, com Aquele que era adorado como divino tornando-se mero mestre de moralidade.

Concepções da Pessoa de Cristo no Século XIX:

  • Kant e Hegel: O racionalismo especulativo alemão também buscou afinidade com doutrinas cristãs. Para Kant, Cristo era um ideal abstrato de perfeição ética, e a fé nesse ideal, não em Jesus como pessoa, era o que salvava. A Igreja teria se equivocado ao aplicar a Jesus epítetos próprios do ideal ético que Ele apenas simbolizava. Hegel via o pecado como um passo necessário na evolução do homem como espírito, e também encontrava nas doutrinas cristãs um depósito de verdades racionais.
  • Teoria Kenótica: Essa teoria, popular em várias formas, defendia que Cristo, ao se encarnar, pôs de lado alguns ou todos os seus atributos divinos. No entanto, essa teoria subverte a doutrina da Trindade, é contrária à imutabilidade de Deus e não concorda com as Escrituras que atribuem atributos divinos ao Jesus histórico. Em sua forma mais radical, ensina uma “encarnação por suicídio divino”.
  • Concepção de Dorner: Dorner representava uma escola intermediária, enfatizando a semelhança entre Deus e o homem e o impulso inerente em Deus de comunicar-se com o homem. A encarnação era vista como algo necessário, transcendental e histórico, que teria ocorrido mesmo sem o pecado. A humanidade de Cristo era uma nova humanidade com receptividade máxima ao divino, necessária para que Cristo fosse o Cabeça da raça.
  • Posição de Ritschl: Ritschl exerceu grande influência, partindo da obra de Cristo para determinar a dignidade de sua Pessoa. Para ele, Cristo era um mero homem, mas devido à sua obra e serviço, justificadamente lhe atribuímos o predicado de Deidade. Cristo revelou Deus em sua graça, verdade e poder redentor, tendo para o homem o valor de Deus e o direito a honras divinas. Ritschl não considerava a preexistência, a encarnação e o nascimento virginal de Cristo relevantes para a experiência da fé na comunidade cristã, sendo sua perspectiva uma contrapartida moderna da interpretação de Paulo de Samosata sobre o Jesus histórico.
  • Cristo na Teologia Moderna: Baseada na ideia moderna da imanência de Deus, frequentemente em linhas panteístas, a doutrina da Pessoa de Cristo era apresentada de forma naturalística, enfatizando a unidade essencial entre Deus e o homem. Cristo teria diferido por ter maior consciência de Deus nele imanente, sendo a mais elevada revelação do Ser Supremo. Todos os homens seriam essencialmente divinos, diferindo apenas em grau de Deus.

Doutrina da Expiação Após a Reforma (Incluindo o Século XIX):

Após a Reforma, a doutrina da expiação continuou a ser debatida e reinterpretada, com o surgimento de diversas teorias que se afastavam da compreensão tradicional da satisfação vicária.

  • Controvérsia da Medula na Escócia (Neo-nomianismo): No início do século XVIII, surgiu na Escócia um movimento que praticamente transformou o evangelho em uma nova lei. Cristo teria feito expiação por todos, tornando a salvação possível, cumprindo as condições do pacto de obras e introduzindo uma nova lei de fé e conversão, cuja justiça evangélica imperfeita seria a base da justificação, em vez da justiça imputada de Cristo. Isso era considerado uma forma de arminianismo com novo rótulo.
  • Teoria Mística da Expiação (Schleiermacher): Schleiermacher ensinou que Cristo entrou na existência da humanidade como um novo fermento, tornando os homens mais receptivos ao divino e transmitindo uma experiência íntima de consciência do divino. Seus sofrimentos e morte revelaram seu amor e dedicação, intensificando sua influência sobre as almas alienadas de Deus. Essa teoria era totalmente subjetiva, não levando em conta a culpa do pecado, mas buscando explicar a libertação da polução.
  • Visão de Ritschl sobre a Expiação: Ritschl negava a possibilidade de uma expiação vicária, vendo a reconciliação como uma mudança de atitude do pecador para com Deus. A obra de redenção pertencia primariamente à comunidade, e Cristo operou a redenção como portador da perfeita revelação de Deus e fundador da comunidade cristã (o reino de Deus). Sua morte não era uma propiciação pelo pecado, mas um poder que desperta fé no amor de Deus. Deus perdoa o pecado com base na obra de Cristo como fundador do reino.
  • Teoria Governamental (Teologia da Nova Inglaterra): Essa teoria, uma reprodução da ideia de Grócio, negava que Cristo tivesse sofrido a pena exata do pecado, mas sim algo que lhe serviu de substituição. Geralmente se negava que Cristo merecesse algo por sua obediência ativa, sendo apenas seus sofrimentos considerados redentores. Emmons tentou aprimorar essa teoria com o elemento moral, e Bushnell introduziu a teoria da “influência moral”.
  • Frederico Denison Maurice: Maurice via Cristo como o Logos, o arquétipo da humanidade, um eterno segundo Adão, que na encarnação se tornou o Mediador, levando o homem à união com Deus. Cristo não era um substituto, mas um representante da raça humana, e seus sofrimentos e sacrifício foram aceitos como perfeita satisfação. Em Cristo, todos os homens são remidos, bastando que se tornem conscientes dessa redenção. Essa teoria também possuía elementos da teoria da influência moral.
  • McLeod Campbell: A teoria de Campbell foi descrita como teoria do arrependimento vicário. Ele acreditava que Cristo ofereceu a Deus, em prol da humanidade, o arrependimento necessário, satisfazendo as condições para o perdão através da confissão vicária dos pecados. Os sofrimentos e a morte de Cristo, por simpatia, o colocaram sob a condenação de Deus contra o pecado, expondo sua hediondez, o que foi visto como perfeita confissão.
  • Teoria Mística da Expiação (Irving): Irving ensinou que Cristo assumiu a natureza humana caída, mas pelo poder do Espírito Santo impediu que essa natureza corrupta se manifestasse em pecado, purificando-a gradualmente através de seus sofrimentos e extirpando a depravação original pela morte, reunificando-a a Deus. A expiação seria essa purificação da natureza humana em Cristo, e os homens são salvos ao se tornarem participantes da nova humanidade de Cristo pela fé, e não por uma expiação objetiva.

Em resumo, a teologia moderna, a partir do século XIX, caracterizou-se por uma diversidade de abordagens à Pessoa de Cristo, muitas vezes com uma ênfase maior no Jesus histórico e em interpretações mais naturalísticas. Da mesma forma, a doutrina da expiação viu o surgimento de diversas teorias que, em muitos casos, se afastavam da tradicional doutrina da satisfação vicária, com ênfase em aspectos subjetivos, morais, governamentais ou místicos da obra de Cristo. Essas mudanças refletiam o contexto intelectual da época, marcado pelo racionalismo, pelo historicismo e por novas compreensões da relação entre Deus e a humanidade.

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