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Os principais conflitos entre os Anabatistas e o estado no século XVI eram numerosos e profundamente enraizados em visões fundamentalmente diferentes sobre a natureza da fé, da igreja e da sociedade. Essas divergências levaram a uma perseguição implacável dos Anabatistas por parte das autoridades civis, tanto católicas quanto protestantes.

Um dos pontos centrais de conflito era a prática do batismo de adultos. Os Anabatistas acreditavam que o batismo só era válido para aqueles que haviam feito uma confissão consciente de fé e demonstrado um compromisso com uma vida cristã transformada. Essa visão rejeitava a prática do batismo infantil, que era a norma na época e estava intrinsecamente ligada à concepção de uma sociedade cristã unificada, o “corpus Christianum”. Para o estado, a recusa em batizar crianças não apenas desafiava uma prática religiosa estabelecida, mas também minava a base da identidade social e da unidade religiosa da comunidade. O batismo infantil era visto como o rito de entrada na sociedade cristã, e sua rejeição pelos Anabatistas era interpretada como uma exclusão voluntária da ordem social e, portanto, uma ameaça à sua estabilidade. Além disso, o próprio nome “Anabatista”, que significa “rebatizador”, era carregado de conotações negativas, evocando as leis civis romanas que puniam com a morte aqueles que rebatizavam ou eram rebatizados.

A concepção anabatista da igreja como uma comunidade de crentes voluntários também estava em conflito direto com a visão estatal de uma igreja abrangente que incluía todos os membros da sociedade, muitas vezes por coerção. Os Anabatistas defendiam a separação entre a igreja e o estado. Para eles, a igreja era composta por aqueles que haviam feito uma escolha consciente de seguir Jesus e se submeter à disciplina da comunidade. Essa ideia de uma “igreja livre”, separada do controle estatal, era radical e impensável para as autoridades da época, que viam a unidade religiosa como essencial para a ordem política e social. A defesa da liberdade religiosa pelos Anabatistas era considerada uma “invitação à anarquia”. O estado acreditava ter a responsabilidade de manter a verdade religiosa e punir a heresia para o bem da sociedade e para evitar a ira divina.

A recusa dos Anabatistas em participar do magistério e em prestar juramentos era outro ponto de intensa fricção com o estado. Fundamentados em sua interpretação bíblica dos “dois reinos” – o reino deste mundo e o reino pacífico de Cristo – muitos Anabatistas acreditavam que não poderiam exercer funções de governo que envolviam o uso da força e da coerção. Eles viam o estado como uma autoridade de restrição para aqueles que não haviam aceitado a senhoria de Cristo, utilizando a espada para punir o mal. Os discípulos de Cristo, por outro lado, pertenciam a uma nova ordem onde a não violência e o amor ao próximo eram a norma. Da mesma forma, a recusa em prestar juramentos, baseada nos ensinamentos de Jesus contra o juramento (Mateus 5:34), era vista como uma quebra da coesão social e uma suspeita de sedição, pois o juramento cívico era considerado um meio fundamental para manter a sociedade unida e garantir a lealdade ao estado.

A recusa em pegar em armas e participar de guerras era talvez uma das posições mais desafiadoras dos Anabatistas para o estado. Em uma época de conflitos constantes, tanto territoriais quanto religiosos, a recusa em defender o estado era vista como traição e uma ameaça à segurança coletiva. A afirmação de Michael Sattler de que não lutaria contra os turcos, mas sim contra os “cristãos” que perseguiam os piedosos, ilustra bem esse conflito. Para os Anabatistas, lutar e matar eram contrários à lei do amor, independentemente das circunstâncias. Eles acreditavam que a comunidade de Jesus possuía recursos espirituais suficientes e que a violência não era um meio legítimo para alcançar a justiça. Essa postura pacifista confrontava diretamente a responsabilidade do estado de proteger seus cidadãos através da força militar.

Em relação à propriedade, embora nem todos os grupos anabatistas praticassem o comunismo de bens, havia uma forte ênfase na ajuda mútua e na disposição de compartilhar recursos dentro da comunidade de fé. Os Hutteritas, por exemplo, desenvolveram comunidades com posse comum de bens. Essa atitude em relação à propriedade, mesmo que restrita à comunidade anabatista, era vista pelas autoridades como uma ameaça à ordem social e econômica estabelecida. A ideia de que não haveria “meu” e “teu” dentro da comunidade de fé desafiava as estruturas de propriedade privada que sustentavam a sociedade da época.

Finalmente, a ênfase dos Anabatistas na Bíblia como a autoridade final e a sua crença de que cada crente, guiado pelo Espírito Santo, poderia interpretá-la (embora também valorizassem o discernimento da comunidade) também os colocava em conflito com as igrejas estatais, tanto católicas quanto protestantes. Os Reformadores, embora também defendessem a “sola scriptura”, frequentemente insistiam em uma interpretação feita por estudiosos e teólogos. A autonomia interpretativa dos Anabatistas era vista como uma fonte de desordem doutrinária e uma ameaça à autoridade das igrejas estabelecidas, que contavam com o apoio do estado para impor a ortodoxia.

Em suma, os conflitos entre Anabatistas e o estado eram multifacetados e abrangiam questões fundamentais de fé, prática religiosa, lealdade cívica e ordem social. As crenças e práticas anabatistas, consideradas radicais e subversivas para a época, desafiavam as estruturas de poder estabelecidas e resultaram em uma perseguição sistemática e brutal por parte das autoridades estatais que buscavam manter a unidade religiosa e a ordem social.

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