A doutrina de Ário sobre o Logos foi o cerne da controvérsia ariana que abalou a Igreja no século IV d.C. Suas ideias anti-trinitarianas, embora rejeitadas pelo Concílio de Niceia, tiveram um impacto significativo na história do pensamento cristão. A principal motivação de Ário, um presbítero de Alexandria conhecido por sua habilidade em debates, era a defesa enfática do princípio monoteísta do monarquianismo, isto é, a crença em um único Deus não-gerado e sem origem.
Dentro desse quadro monoteísta estrito, Ário estabeleceu uma distinção fundamental entre o Logos imanente em Deus e o Logos que se encarnou como o Filho. Segundo Ário, o Logos imanente seria apenas uma energia divina pertencente a Deus. Já o Filho ou Logos encarnado seria uma entidade distinta, que teve um começo na existência. Para Ário, a expressão “gerado pelo Pai” significava, em seu vocabulário, que o Filho havia sido criado.
Essa criação do Filho, de acordo com Ário, ocorreu do nada, e precedeu a criação do próprio mundo. Consequentemente, o Filho não seria eterno e não possuiria a mesma essência divina do Pai. Ário via o Pai como o único Ser não-originado, enquanto o Filho era uma criatura, embora a maior e a primeira de todas as criaturas.
A razão pela qual o Filho foi trazido à existência, na perspectiva de Ário, era para que, por meio d’Ele, o Pai pudesse criar o mundo. Desse modo, o Filho atuava como um instrumento na obra da criação, subordinado à vontade e ao poder do Pai.
Ademais, Ário argumentava que, sendo uma criatura, o Filho também seria um ser mutável, suscetível a mudanças. No entanto, ele acreditava que o Filho havia sido divinamente escolhido por Deus devido aos Seus méritos pré-conhecidos. Em virtude dessa eleição e de Sua glória futura, Ele seria intitulado Filho de Deus.
Ainda, na teologia de Ário, a adoção do Filho concedia-Lhe o direito de ser venerado pelos homens. Embora fosse uma criatura, Sua posição exaltada O tornava digno de honra, mas não da mesma adoração devida ao Pai, que era o único Deus verdadeiro e não-criado.
Para fundamentar suas ideias, Ário buscava suporte em diversas passagens das Escrituras que pareciam apresentar o Filho como inferior ao Pai. Ele apelava para versículos como Provérbios 8:22 (na Septuaginta), Mateus 28:18, Marcos 13:32, Lucas 18:19, João 5:19 e 14:28, e 1 Coríntios 15:28. Essas passagens, interpretadas no contexto de sua visão monoteísta e de sua compreensão da geração como criação, eram utilizadas para sustentar a subordinação ontológica do Filho ao Pai.
Em resumo, a doutrina de Ário sobre o Logos apresentava as seguintes características principais:
- Distinção radical entre o Pai não-gerado e o Filho gerado (criado).
- O Filho é uma criatura, a primeira e a maior, criada do nada antes do mundo.
- O Filho não possui a mesma essência divina do Pai e, portanto, não é verdadeiramente Deus no mesmo sentido que o Pai.
- O Filho foi o instrumento de Deus na criação do universo.
- O Filho é mutável, embora divinamente escolhido por seus méritos.
- O título “Filho de Deus” é atribuído ao Logos encarnado em virtude de Sua eleição e glória futura, e por Sua adoção.
- O Filho é digno de veneração, mas não da mesma adoração devida ao Pai.
- Essa doutrina buscava suporte em passagens bíblicas que aparentemente indicavam a subordinação do Filho ao Pai.
A concepção de Ário, ao negar a plena divindade e a eternidade do Filho, confrontava diretamente a tradição cristã que, embora em desenvolvimento, já reconhecia Jesus Cristo como mais do que uma mera criatura. A controvérsia resultante levou à convocação do Concílio de Niceia em 325 d.C., onde a visão de Ário foi considerada herética e o Credo Niceno foi formulado para afirmar a consubstancialidade (homoousios) do Filho com o Pai, declarando que o Filho é “Deus de Deus, Luz de Luz, verdadeiro Deus de verdadeiro Deus, gerado, não criado, da mesma substância que o Pai”.